GCAD_RIMANCES Medievais

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Este livro é uma separata do Vol II e III do GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO e inclui as pautas, com um estudo teórico-literário.

 

 

O Vol III do GCAD enquadra globalmente este assunto (pgs 1483 > 1606):

Extractos:

C – RIMANCES

A CULTURA DO DOURO, COMO A PORTUGUESA em geral, enraiza desde a primeira hora no Nordeste Peninsular centrado no galego-português, tendo como traços de união as Cruzadas e Peregrinações com pólo em Santiago de Compostela. Aqui radicam milenarmente (além de todas as artes) restos de Canções de Gesta e narrativas de cego nas Feiras, vindas de todo o lado da Ibéria e da Provença.
Parte substancial dos nossos rimances provém daqui.
Mas existe um outro filão, ainda pouco explorado, situado no Nordeste Trasmontano, onde, nas segadas, convergia o homem do Douro e o da raia leste do Duero. Muitos rimances conservam, no conteúdo e na linguística, o forte traço castelhano aí adquirido.
Os homens sem trabalho eram rogados de forma semelhante aos cardanheiros das rogas. Caminhavam longos quilómetros até às searas, cantando e tocando em ranchada. O trabalho era duro, mas o ritmo do braço era ajudado pelo canto compassado dos rimances, cujos versos tinham a usual acentuação binária, a mais apropriada ao ritmo e dinâmica do género histórico (épico).

Do alto da sua torre a dama estava a raivar
ou: Palavras não eram ditas e o cavaleiro a expirar.

Cada verso está dividido ao meio, em dois hemistíquios, como os grandes poemas épicos, que narram factos histórico-lendários, sobre-humanos, ocorridos com heróis e heroínas, pois só o extraordinário se gravava e perpetuava na memória colectiva (não havia escrita, ou o narrador não sabia escrever): o marido traído, o assassino cruel, a mulher raptada e morta, o pai tirano…
Garrett, o pioneiro das recolhas deste género poético-musical, atribui aos rimances cantados pelas criadas de Gaia a magia que se experimenta(va) no Douro: maravilha e calafrios provenientes da narrativa extraordinária, monocórdica, misteriosa e trágica.
Estes sinais situam as narrativas musicais em tempos medievais de distâncias, medos, prepotências e guerra. Garrett, como introdutor do próprio Romantismo português, assume o eco romântico do ambiente heróico de luta dos povos pela independência que está na génese das nacionalidades da Europa moderna e deixa-se facilmente seduzir, também, pelos conflitos obscuros da alma humana. São estas, precisamente, as grandes impulsionadoras do movimento romântico!
Garrett, na obra precursora DONA BRANCA desenvolve uma temática de rimance – embrionariamente presente, por ex., no rimance O CID ATRÁS DE BÚCARO (p.989), em que a princesa Bernarda, nas muralhas de Valência, encarregada pelo seu pai, D. Afonso VI, de entreter o ‘mourinho’ com boas falas, dando-lhe tempo para o apanhar, faz o contrário: avisa-o e ele foge:

– Entretém-me esse mourinho, de palavra em palavra;
as palavras sejam poucas, e d’amores venham tomadas.
(…)
– Vai-te daí, ó mourinho, que vem o meu pai e te mata!
os cavalos d’el-rei meu pai já tropeçam na calçada.
– Não tenho medo ao teu pai, nem à sua gente armada,
que o teu pai não tem cavalos como a minha égua parda!

D. Branca é filha de D. Afonso III, guardada no mosteiro de Lorvão (e, depois, em Burgos) e corresponde à paixão de Aben-Afan, príncipe defensor de Silves, que a rapta. O Rei Português e os seus Fidalgos recorrem à força e a magia para recuperarem a honra. Com a conquista de Silves, Aben-Afan morre e D. Branca enlouquece.
Assim, para além do valor poético-musical, este género literário folclórico é dotado de enorme valor histórico e étnico, pois nele estão embutidas riquíssimas pistas documentais, evocadoras das gestas do fundo passado medieval português e europeu.

Algumas temáticas de rimances do Alto Douro:

A – Rimances épicos
– Perseguição de Búcar pelo Cid (Ver Canções de Gesta – EL CANTAR DE MIO CID)
B – Carolíngios (Exemplificar… todos) (Analisar a narrativa como introdução a todos, ou a este capítulo)
– Morte de Oliveiros, D. Gaifeiros, Alta Vai a Lua Alta, Belardo e Valdevinos …

C – Militares – Por exemplo o baseado na Batalha do Lepanto (1571) travada a partir de Veneza com armadas de  República de Veneza, Reino de Espanha, Cavaleiros de Malta e Estados Pontifícios, sob o comando de João da Áustria.
D – Mouriscos – O Dia de São João …
E – Bíblicos  – O Filho Pródigo …
F –Presos e Cativos– O Cordão de Oiro – A Cativa …
G – Regresso do Marido – A Bela Infanta – O Conde Flores – Gerineldo …
H – Amor Fiel – O Conde Ninho – Porque não Cantas, ó Bela? …
I – Amor Desgraçado – Febre Amarela – Morte de D. João …
J – Esposa Desgraçada – A Devota da Ermida – A Mal Casada – Bem Cantava a Lavadeira …
K – Mulher Adúltera – Claralinda – Frei João – Bernal Francês – Conde da Alemanha …
L – Mulheres Matadoras – A Galharda – A Serrana Matadora …
M – Raptos e Violações – Rimances do Cego – Vila Viçosa …
N – Incesto – Silvaninha … O – Mulheres Sedutoras
– Gerineldo – A Filha do Imperador de Roma …
P – Mulheres Seduzidas – Morte de D. João …
Q – Aventuras Amorosas  – Indo Eu por Esta Rua – A Criada Honrada …
R – Religiosidade – A Tentação do Marinheiro – Romance do Cego (Santa Iria) – O Lavrador da Arada – A Fonte Clara – Alta Vai a Lua Alta – Santo António – Nossa Senhora Lavadeira – A Confissão de Nossa Senhora – Noite de Natal …
S – Milagres de Amor – Guimar …
T – História de Portugal Rainha Santa – A Nau Catrineta – Santo António de Pádua…
U – Vária Temática – A Mulher Avarenta – A Filha do lavrador …

Muitos rimances apresentam inúmeras variantes. Anotei uma ou outra mais significativa, mas, regra geral, optei por escolher a que me parece mais genuína e lógica. É difícil exercer um critério seguro num género que exige grande cultura linguística, musical, étnica e histórica
Os Rimances de Cordel ou de Cego são ainda mais radicais e apresentam também grandes pistas sócio-culturais, sobretudo ao nível do quotidiano popular, com grandes doses de miséria humana:
– Mulheres sedutoras e seduzidas, abandalhados (eles e elas), amor desgraçado, prepotências, suicídio, incesto, assassinato do cônjuge, infanticídios, fratricídios, parricídios, mortes violentas, abandonos, cenas de ‘faca e alguidar’, assuntos picarescos, de feiras, cantilenas de ‘putedo’, bebedeiras, partidas grosseiras de rapazes, larachas de caserna…

A importância cultural e civilizacional destas narrativas, dada a sua penetração na alma humana, é, obviamente, muito grande, também no campo da Linguística, pois, devido à sua antiguidade, é possível encontrar neles marcas diacrónicas de valor incalculável de certos estratos da evolução intermédia da Língua Portuguesa. Essas marcas podem ser de ordem
lexical ou vocabular: (ex. meu corpo boto ao mare>…deito…); castelhanismos: maçanal (pomar de maçãs); balcão.om (varanda), panais (panos, tecidos), etc.,etc.. Também são abundantes os castelhanismos: perro…
morfo-sintáctica: ex. (aposta ganhada (<ganha), perguntara (< perguntou, mais-que-perfeito em vez do perfeito); dificuldade no emprego dos conjuntivos: se virens (vierdes); se déreis (derdes); para que tindes (tenhais); embora o bídens (=vejais) pobre; formas próprias de segundas pessoas no perfeito: viestes(tu)/viésteis(vós); perdoastes(tu)/perdoásteis(vós); não haverá mal se Deus não queira (não quiser), nós vayamos (conjuntivo vamos), etc.,etc..
– fonética: ex. ausência de contracção-crase em alguns vocábulos: ex. cé-u (com 2 sílabas, ainda como no étimo coe-lu.m)> em vez do actual céu (1 sílaba); ou pa-i (de pa-tre.m) com duas sílabas em vez do actual pai, contraído em crase, numa só sílaba; tem-le dado>tem-lhe dado; Caterineta (<Catrineta); despois (>depois); a lua i-alta (epêntese do -i- para evitar o hiato da gutural); epênteses, como em ademirado, etc.,etc..
Seria muito útil elaborar-se um mapa linguístico destas formas intermediárias ou arcaicas, conservadas na Arca da Tradição Oral, bem no coração documental da Nossa Língua.
Obs.: Também nos rimances não adapto e uniformizo toda a ortografia das letras, antes tento conservar a forma como as recebi na fonte.

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RIMANCES MEDIEVAIS

RIMANCEIRO DO ALTO DOURO

Este livro destaca, em 365 páginas, os 120 rimances que fazem parte do

GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO,

volume II, com 640 páginas, que incluem:

TUNAS RURAIS – RIMANCES – CANTARES RELIGIOSOS – CANTIGAS DA VINHA AVULSAS, DESGARRADAS…

EXEMPLOS DE RIMANCES

Aldininha [GCAD II] 931  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Aldininha, ó Aldinha, queres ser minha namorada?
Eu com ouro te vestia e com prata te calçava.
– Cale-se lá, ó meu pai, isso não pode ser;
Eu sou a sua filha e não sou sua mulher.
O pai, assim que soube, que Aldininha namorava,
Mandou fazer uma torre p’ra Aldininha ter fechada.
Esteve lá uns oito dias sem comer nem beber nada
E aos fim dos oito dias já a sede lh’apertava.
Subiu-se a uma janela, à mais alta que a torre tinha,
E avistou a sua irmã na varanda da cozinha.
– Ó irmã da minha vida ò da minha infeliz sorte,
Trazes-me uma pinguinha d’ água, serei tua até à morte.
– Dava, dava mana minha, a mim pouco me custava;
O papá deixou escrito que o pescoço me cortava.
Subiu-se a outra janela, à mais alta que a torre tinha,
Avistou a sua mãe a bordar em prata fina.
– Ó mamã da minha vida ó da minha infeliz sorte,
Trazes-me uma pinguinha d’água,serei sua até à morte.
– Dava, dava filha minha, a mim pouco me custava;
O papá deixou escrito que o pescoço nos cortava.
Subiu-se a outra janela à mais alta que a torre tinha,
Avistou o seu irmão na janela da cozinha.
– Ó irmão da minha vida ou da minha infeliz sorte,
Trazes-me uma pinguinha d’ água, serei tua até à morte.
– Dava, dava mana minha, a mim pouco me custava;
O papá deixou escrito que o pescoço me cortava.
Mandou todos os caixeiros levar água Aldininha
E o primeiro a lá chegar casaria com Aldinhinha
O primeiro a lá chegar foi o caixeiro-viajante;
Ao dar água a Aldininha… ela morreu num instante!

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Condessa, condessinha [GCAD II] 943  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

– Condessa, ó condessinha, condessa do Aragão:
Venh’ te pedir uma filha de tantas que elas são.
– Minhas filhas não tas dou, nem por ouro nem por prata,
nem por sangue da lagarta, oh que belas qu’elas são.
– Tão contente como vinha, tão triste me vou a achar;
pedi uma filha minha, das mais belas que elas são.
– Minhas filhas não tas dou, nem por ouro nem por prata,
nem por sangue da lagarta, oh que belas qu’elas são.
– Tão contente como vinha, tão triste me vim a achar;
pedi uma filha tua, condessa não ma quis dar.
– Volta atrás, ó cavalheiro, serás uma mãe de mães;
darei-t’uma filha tua, se ma estimares bem.
– Estimo, estimarei, sentada numa almofada,
fiando continhas d’ouro; salta cá, ó minha amada.

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A Juliana [GCAD II] (915)  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

– Tu que tens, ó Juliana, que andas tão triste a chorar?
– Que hei-de ter, ó minha mãe, D. Jorge vai-se casar!…
– Bem te disse, minha filha, não quiseste acreditar:
o namorar de Dom Jorge era só pra te enganar.
Já lá baixo vem Dom Jorge, montado no cavalinho:
– Bons dias, ó Juliana! – Vem com Deus, ó Dom Jorginho!
Disseram-me ali, Dom Jorge, que estavas para casar…
– É verdade, Juliana, eu te venho convidar:
no dia do casamento, tu irás acompanhar
a minha bem querida noiva até junto do altar.
– Espera um pouco, ó Dom Jorge,enquanto eu vou ao sobrado
buscar vinho de há sete anos, que te tinha reservado.
– Eu não queria, Juliana, que venho muito suado;
mas aceito um poucochinho, pra agradecer o teu cuidado.
– Que fizeste, ó Juliana? que deitaste neste vinho?
Tenho já a vista escura, nem vejo o meu cavalinho…
e a minha mãe, lá em casa, a julgar seu filho vivo!
– Também a minha julgava que te casavas comigo!…

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O soldado (Tu que tens, ó soldadinho?) [GCAD II] 1028  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

– Tu que tens, ó soldadinho, qu’andas tão triste na guerra?
Ou te morreu pai ou mãe ou gente da tua terra?
– Não me morreu pai nem mãe nem gente da minha terra;
Ando triste por a amada, que eu deixei e vim p’r’à guerra.
– Monta lá naquele cavalo, soldadinho, vai à terra;
ao cabo de sete i-anos, soldadinho volta à guerra.
Lá no meio do caminho, má figura encontrou.
– Que fazes, ó soldadinho? Que fazes agora aqui?
– Vou ver a minha amada, dias há que não a vi.
– Tua amada é morta, é morta, que eu bem na vi.
– Dize-me as sinas que levava, para m’eu fintar em ti.
– Levava meias de seda, sapatinhos de chàgrim,
e o cabelo entrançado, que ela o pediu assim.
– Anda, i-anda, meu cavalo, qu´inda tens muito p’r’andar;
na campa da minha amada tens tempo de descansare.
Abre-te, campa sagrada, minha amada quero ver;
quero-le beijar o rosto antes da terra a comer.

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A Juliana ou O Luisinho  [GCAD II] 998  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

– Aonde vais, ó Luisinho, ai, ai, na tua bela montada?
– Venho ver-te, ó Joaninha, ai, ai, no camarote assentada.
– Disseram-me, ó Luisinho, que estavas pra te casar…
– É verdade, ó Joaninha, e venho-te convidar.
– Espera aí, ó Luisinho, espera mais um bocado:
quero que proves do vinho que pra ti tinha guardado.
– Ai de mim, ó Joaninha, não sei que tinha o teu vinho,
ainda agora que o bebi já num enxergo o caminho!
– Deitei-lhe espinha de cobra e sangue de rosalgar (*)
pra que saibas, Luisinho, que já não te vais casar!
– E a minha mãe a cuidar que tem o seu filho vivo!
– Também a minha cuidava que te casavas comigo!
– Venha papel, venha tinta, venha também escrivão,
para eu deixar escrito o pago que as mulheres dão!
– Aqui está papel e tinta e também o escrivão,
para eu deixar escrito o pago que os homens dão!…
(*) produto (ex. cogumelo) com sulfureto de arsénio.

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Rimance do cego 1 (Santa Helena) [GCAD II] 1009  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Çaramago verde, verde çaramago
Vou para a Galiza, vou pra o Santiago
– Acorda, Helena desse teu dormir,
Vai ver o cego à porta a pedir.
– Se o cego toca dá-lhe pão e vinho,
Se o cego não toca dá-lhe pão sozinho.
– Nem quero do pão nem quero do vinho,
Só quero que a Helena me ensine o caminho.
– Pega esta roca, carrega-a de linho,
E vai, Helena, ensina o caminho
Vês aqui, ó cego, vês aqui o caminho.
– Adiante, adiante mais adiantinho,
– Adiante, cego, lá vai o caminho.
– Sou curto de vista, não vejo o caminho
– Valha-me Deus e a Virgem Maria;
Quanta gente passa de cavelaria!
– Esconda-se, Helena debaixo da minha capinha;
– Ai, Nunca vi cego com tanta anergia,
Nunca he visto capas de tanta valoria:
Por fora remendonas e por dentro floridas
Com um cinto d’ouro e uma espada assassina.
De condes e duques eu fui pretendida
E agora de um cego me vejo vencida!…

OUTRA VERSÃO DA LETRA:

Era meia noite, quando o cego veio,
bateu três pancadas na porta do meio.
– Abra-me essa porta, abra-me esse postigo,
venha dar a esmola ao pobre mendigo,
– Minha mãe, acorde do doce dormir,
venha ouvir o cego cantar e pedir!
– Se ele canta e pede, dá-lhe pão e vinho;
se ele não quiser, mostra-lhe o caminho!
– Não quero o seu pão, não quero o seu vinho,
quero que a menina me ensine o caminho.
– Pega, minha filha, na roca e no linho,
vai acompanhar o triste ceguinho…
– Acabou-se a roca, acabou-se o linho,
vá com Deus, ó cego, já está no caminho.
– Leve-me, ó menina, até mais além:
sou curto de vista, não enxergo bem…
– Diga-me, ó menina, minha bem amada,
lá na sua terra como era chamada?
– Chamavam-me Iria, Iria a fidalga;
por aqui, agora, Iria, a coitada!…
De condes e duques eu fui cortejada,
e, agora, de um cego estou cativada!…
– Cala-te, ó Iria, não digas mais nada,
que eu sou o mesmo conde que te desejava.
– Adeus, minha casa, com trinta janelas,
adeus, minha mãe, que tão falsa me eras,
adeus, ó varandas, adeus, ó quintais,
adeus, meus irmãos, para nunca mais!

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A má sogra (Santa Helena)  [GCAD II]  917 (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

– Quem m’ dera naquel’ monte, ou mesmo naquele vale,
quem me dera mais além, nos palácios de meu pai.
– Se os desejos forem muitos, caminho para além vai.
– E se vier o meu Pedro, quem le há-de pôr o jantare?
– Se vier o teu D. Pedro, eu le porei de jantare
e da caça que trouxere, dela a ti te hei-de mandare.
Um por ua porta a saire, outro por outra a entrare.
– Donde está a minha Helena, que não me põe de jantare?
– A Helena, ó meu filho, foi pra casa de seu pai:
a mim chamou-me perra moira e a ti filho de mau pai.
– Ala, ala, meus criados, depressa e não devagare!
Jornadinha de três dias em três horas se há-de andare!
Aparelhem meu cavalo, que temos muito pra andare!
Apertem-lha bem a silha, alarguem-lhe o peitoral!
Jornadinha de três dias em três horas se há-de andare!
– Pelo meio do caminho encontrou o seu cunhado:
– Deus vos guarde, ó meu cunhado, tendes um filho varão!
– Prás alegrias que eu tenho, quer seja varão ou não!
– Onde está a minha Helena, que já a quero levare?
– Paridinha de hora e meia, como a queres tu levare?
– Quer parida, quer prenhada, comigo ela há-de marchare!
– Cale-se lá, minha mãe, já s’ devia ter calado:
mulher que é bem casada, faz o que o marido manda.
Deia-me o meu colete, que me quero apertare.
Subiu para o seu cavalo e tratou de caminhare.
Mas no meio do caminho suspirou e deu um ai.
– Porque suspiras, Helena, pois que dás tamanhos ais?
– Olha para o meu cavalo, se queres ver como ele vai
todo banhado em sangue, que deste corpo me sai!
Quem me dera aqui um clér’go, que me queria confessare!
– Confessa-te a mim, Helena, que Deus t’há-de perdoare
dos teus pecados pequenos: dos grandes não há vagare.
A quem deixas o teu ouro, que o haja de lograre?
– À minha mana mais nova, que bem o há-de estimare.
– A quem deixas os teus fatos, que os haja de gastare?
– À minha mana do meio, que bem nos há-de estimare.
– E a quem deixas o teu filho, que to haja de criare?
– À perra da tua mãe, causadora do meu mal.
Puxou por um punhal de ouro, e logo ali a matava.
Foge, foge o cavalheiro, nunca por ali passara.
Ao cabo de sete i-anos cavalheiro ali passou;
e então viu um pastorinho guardando sua ovelhada:
– De quem é aquela capela, de quem é aquela morada?
– Capela de Santa Helena, que um cavalheiro a matara.
– Perdoa-me, Helena, meu amor primeiro…
– Como perdoar-te, ladrão carniceiro?
mataste-me no monte, como o lobo a carneiro…
mas vais aqui ao teu filho, se ele perdoaria.
– Perdoa-me, filho, meu amor primeiro…
– Como hei-de perdoar, lobo carniceiro,
que matou minha mãe no monte, como lobo a cordeiro?
– Não dirás tu, filho, em que pena eu cairia?
– Condenado ao inferno, por causa de uma má língua!
– Mal hajam as más línguas e quem nelas lá se finta!
Por causa de uma má língua, matei a mulher querida!

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A mulher avarenta  [GCAD II]  920  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Era um homem muito rico três vezes enviuvou;
Casou com uma mulher pobre, grande soberba se tornou.
Vem na Quinta-feira Santa, quinta-feira qu’há-de vire;
Está um pobre à sua porta, oh que lindo tem pedire.
Nem l’iam a dar esmola nem o iam despedire;
O pobre entrou p’ra dentro, tornou a repetire.
O homem, por ser dorido, dorido do coração,
Entrou para a cozinha, deu-lhe um bocado de pão.
A mulher, por ser ingrata, das mãos lho foi tirar;
Co’a soberba que levava à caldeira o foi deitare.
– Vem cá tu, ó meu marido vem cá tu, se queres vere.
Uma caldeira sem nada cheia de sangue a fervere.
-Vem cá tu mulher ingrata, ingrata do coração;
perdestes o corpo e alma por um bocado de pão!…
Era meia-noite em ponto quando estava a suspirare:
Os mosquitos eram tantos que a levantavam ao are!…
Os diabos eram centos em cima dela a voare!…
Foram-na a enterrare e não acharam qu’enterrare!…
Com isto, ó meus senhores, esmolas cada vez mais.

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A donzela apaixonada  [GCAD II]  908  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Namorou-se um cavaleiro da filha dum lavradore
despois que a namorou longos meses se ausentou
Donzela, como discreta, ao caminho se deitou
lá no meio do caminho lavadeiras encontrou.
– Oh Deus vos guarde, lavadeiras,Deus vos saiba guardare
dos trabalhinhos do mundo e das areias do mare
Cavaleiro de armas brancas viram por aqui passare?
– Esse homam, ó menina, aqui passou ò jantare.
Chegou a mais um pinheiredo, cavaleiro vira estare
numa banquinha a escrevere numa janela a notar.
– Donzelinha, de tão longe, quem te trouxe a este lugare?
– Os amores do cavaleiro, que são maus de ausentare.
– Quando eu quis, tu não quiseste, agora tens de deixare.
Donzela, como discreta, morta se deixou ficare.
Nem com vinho nem com água a pôde ressuscitare.
– Ressuscitai-a, mãe do céu, que só vós podeis obrare.
Minha mãe, que sois mais velha, um conselho me há-des dare.
– Agarra-a pelos cabelos e deita-a ao muladar.
– Isso não, ó minha mãe, que isso não é ser leale.
Mando-le fazer o enterro com pedrinhas de cristale,
que digam os passageiros que aqui está gente reale.

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Antoninho  [GCAD II] 934  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Antoninho lá na aula e uma pedrinha atirou,
ao brincar co’s estudantes o pavãozinho matou…
– Bons dias, ó meu papá, bons dias le quero dáre
matei o pavão do mestre, trate-o já de ir pagare.
– Está aqui dezoito libras, ou vinte que elas serão,
para pagar a valia do seu estimado pavão.
– Guarde lá esse dinheiro, para amigos não é nada;
mande o Antoninho à escola, inda tem a mesma entrada.
– Antoninho, vai prá escola, que precisas de aprendere.
– Eu não vou, meu pai, não vou, porque sei que vou morrere!
Antoninho vai prá i-aula, todo o caminho a choráre,
chegou à porta da intrada inda ia a soluçare…
e inda ia a soluçare, da sala para o salão.
– Assenta-te, ó Antoninho, e estuda a tua lição,
estuda a tua lição e sem pontinha de errore,
ó depois de estar estudada, tu falas co’o professore.
– Rapazinhos da escola, que é do meu Antoninho?
– Está no quarto dos livros, morto como um passarinho…
O seu pai, que isto oviu, meteu-lhe pena de horrore
meteu o revolv’ ò bolso: – vou matar o professore!…
Vou matar o professore, como se mata um cão:
matou-me o meu Antoninho, sem ter causa nem rezão!…
Vou manda-lo à justiça, vou mandá-lo à prisão,
que matou o meu António, com uma falsa rezão,
e eu vou-me pôr à janela a ver passar o caixão!…

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