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MÚSICAS PARA
POETAS ESCOLHIDOS
Obs – A audição destas músicas deverá ser acompanhada com a leitura do respectivo poema.
O conjunto dos poemas e as pautas encontram-se nos livros respectivos indicados nos títulos dos mp3.
A – Em livros específicos estão publicadas músicas de Altino Cardoso para todos os 44 poemas da MENSAGEM de Fernando Pessoa, com letra e pautas (canto e piano) – ver neste site:
https://amadora-sintra-editora.pt/produto/musicas-para-a-mensagem-de-fernando-pessoa.
B – Amália Rodrigues gostava muito das melodias de Altino Cardoso. Pediu-lhe que musicasse alguns poemas da MENSAGEM – o que deu origem a todos os 44 poemas…
As músicas da MENSAGEM eram/são bastante exigentes, também em termos vocais. Como a sua voz já não atingia as notas mais agudas, Amália propôs a AMC compor músicas para um livro de um poeta amigo:
– Artur Pissarra – ESPELHO DO MAR.
Ver página de Amália neste site:
https://amadora-sintra-editora.pt/produto/musicas-para-versos-escolhidos-por-amalia/
C – Também em livro próprio Altino Cardoso publicou: MÚSICAS PARA 30 POEMAS DE AM PIRES CABRAL.
Ver neste site:
https://amadora-sintra-editora.pt/produto/musicas-para-30-poemas-de-am-pires-cabral/
D – Outros poetas musicados estão registados neste livro – 400 CANÇÕES PRÓPRIAS REUNIDAS – com 400 pautas (músicas e letras – algumas letras já perdidas !) intitulado:
400 CANÇÕES PRÓPRIAS REUNIDAS [400 CPR]
Endereço geral deste site:
https://amadora-sintra-editora.pt/produto/musicas-para-poetas/
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Poetas avulsos
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EXEMPLOS
Os versos que te fiz [Poema: Florbela Espanca | Música: Altino M Cardoso]
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz! (bis)
Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz! (fiz)
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Mistério [Poema: Florbela Espanca | Música: Altino M Cardoso]
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.
Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…
Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
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Bucólica (Poema: Miguel Torga | Música: Altino M Cardoso – dedicada a Clara C Rocha)
BUCÓLICA
A vida é feita de nadas,
de grandes serras paradas
(de grandes serras paradas)
à espera de movimento,
De searas onduladas
(onduladas)
pelo vento. (bis)
De casas de moradia
caídas e com sinais
de ninhos que outrora havia
(outrora havia)
nos beirais…
De poeira,
de sombra de uma figueira,
De ver esta maravilha:
(Meu Pai)
Meu Pai a erguer uma videira
(Meu Pai a erguer uma videira)
como uma Mãe (como uma Mãe)
que faz a trança à filha.(bis)
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BENVINDO OUTONO – Poema de Miguel Torga | Música de Altino M Cardoso
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo!
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Miguel Torga, Outono, in Poesia Completa.
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INVERNO – Poema de Miguel Torga | Música de Altino M Cardoso
Apagou-se a fogueira.
Que frio na lareira
Do coração!
Neva
Na solidão
Da vida.
E o vento traz e leva
Um recado de eterna despedida.
Amor! Amor!
Sei ainda o teu nome redentor,
Chamo ainda por ti a cada hora!
Arde outra vez em mim
Como ardias outrora,
Os dias de ventura.
Não me deixes assim
Nesta algidez de morte prematura.
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FERNANDO PESSOA – Como te amo? (Música: Altino M Cardoso)
COMO TE AMO?
Como te amo? Não sei de quantos modos vários
Eu te adoro, Mulher de olhos azuis e castos;
Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos;
Amo-te com o fervor dos meus preitos diários.
É puro o meu amor, como os puros sacrários;
É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;
É grande como os mares altissonos e vastos;
É suave como o odor de lírios solitários.
Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;
Um tão singelo amor, que aumenta na Ventura;
Um amor tão leal que aumenta no Sofrer; (bis)
Amor de tal feição que se na vida escura
É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,
Muito maior ele será na paz da sepultura! (bis)
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NOITE – Poema: Fernando Pessoa (MENSAGEM) | Música: Altino M Cardoso [44 MÚSICAS PARA A MENSAGEM DE F PESSOA]
NOITE
A nau de um deles tinha-se perdido
No mar indefinido. (bis)
O segundo pediu licença ao Rei
De, na fé e na lei (bis)
Da descoberta, ir em procura
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.(bis)
*
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à pátria por quem dera
O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou.
*
Como a um cativo, o ouvem a passar
Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.
*
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
O Poder e o Renome —
Ambos se foram pelo mar da idade
À tua eternidade;
E com eles de nós se foi
O que faz a alma poder ser de herói.
Queremos ir buscá-los, desta vil
Nossa prisão servil:
É a busca de quem somos, na distância
De nós; e, em febre de ânsia,
A Deus as mãos alçamos.
Mas Deus não dá licença que partamos.
NOTA BREVE: Profunda metáfora-alegoria da Solidariedade do Sangue e do Destino Humano!
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Teresa Rodrigues
9 h ·
Fernando Pessoa – Alberto Caeiro
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
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Alma minha gentil que te partiste (Poema: L.de Camões ! Música: Altino M Cardoso)
ALMA MINHA GENTIL QUE TE PARTISTE
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no Assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele [daquele] amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste. (bis)
E se vires que pode merecer-te
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
[Da mágoa, sem remédio, de perder-te,]
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
[Que tão cedo de cá me leve a ver-te,]
Quão cedo de meus olhos te levou! (bis)
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Soneto da Ordenação Sacerdotal (Poema: António Cabral | Música: Altino M Cardoso)
SONETO DA ORDENAÇÃO SACERDOTAL
Tinha o oiro do Sol ao meio dia,
A Tua voz, Senhor; depois que a ouvi,
Não descansei enquanto não subi
Toda a montanha que a Teus pés havia!
O que eu sofri! Mas confiava em Ti,
Teu coração aberto me atraía…
E quando o chão magoava, se caía, (bis)
Davas-me a Tua mão… Enfim, venci! (bis bis)
E a Tua voz, Senhor, não me enganou!
Tanto me engrandeceste que hoje sou
Feliz! oh! mais feliz do que ninguém! (bis)
E aqui estou, de joelhos, a chorar,
Por não ter outro meio de expressar
Toda a alegria que a minha alma tem!…
Toda a alegria que a minha alma tem!…
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MÃE (Poema: António Cabral | Música: Altino M Cardoso)
MÃE
Venho de longe, mãe; trago nos olhos
A flor silenciosa do teu nome
Dourada pelo sol do teu amor
Que o tempo não consome.
Venho nestas palavras de saudade
Eu todo, com o peito em alvorada,
Para sentir-me bem junto de ti,
Sem pensar em mais nada.
Quero esquecer as sombras do caminho
Que o meu sonho de vida percorreu;
Quero bater à porta do carinho
E dizer: mãe, sou teu!
Sou eu, de novo, como em pequenino,
Vestido embora de desilusão…
Tenho fome de paz. Deixa-me entrar
No templo do teu grande coração.
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A luz dos teus olhos (Poema: AM Pires Cabral -DESTA ÁGUA BEBEREI| Música: Altino M Cardoso)
A LUZ DOS TEUS OLHOS
MOTE
Eu fui o que disse ao sol
que não tornasse a nascer.
Se tenho a luz dos teus olhos,
que vem o sol cá fazer? (bis)
GLOSAS
1 Eu fui o que disse ao sol
coisas que o sol não calou; (bis)
agora todo o céu sabe
caminhos por onde vou. (bis)
2 Um sol assim melhor fora
que não tornasse a nascer; (bis)
que a noite esconde melhor
o que houver para esconder. (bis)
3 Por negra que seja a noite, (bis)
não temo muro nem lama,
se tenho a luz dos teus olhos (bis)
a guiar-me à tua cama.
4 Já vai o céu arruçando
e tanto amor por fazer! (bis)
Sendo a noite o nosso dia –
que vem o sol cá fazer? (bis)
NOTAS BREVES
Altino Cardoso seleccionou e musicou 30 poemas, que reuniu em livro, intitulado: MÚSICAS PARA 30 POEMAS DE A M PIRES CABRAL. Ver neste site, em lugar próprio.
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É urgente o Amor (Poema de Eugénio de Andrade | Música: Altino M Cardoso)
É URGENTE O AMOR
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
é urgente destruir certas palavras:
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
(rosas e rios)
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor,
(é urgente o amor)
é urgente permanecer. (bis 3v)
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SAUDADE ** (Poema: Mia Couto | Música: Altino M Cardoso)
SAUDADE
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança do teu vestido
caindo aos nossos pés
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água,seiva vegetal
sou agora gota trémula,
raiz exposta
Traz de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação
à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono.
** Apesar da expressão “teu vestido” o cúmulo do ponto de vista do sujeito poético emissor é feminino.
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Para Ti – Mia Couto
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
Mia Couto
No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”
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Fernando Madruga
EXÍLIO
.
Do teu exílio reconheço a lágrima
e a nostalgia à hora do crepúsculo
quando cedias ao silêncio e à solidão.
Exausta, regressavas das esperas
escorrendo em indeléveis murmúrios
na ânsia do retorno ao nosso enlevo
.
Sei da tua sede:
queres uns versos lentos.
Amas.
Adoças o pacto ardente:
a noite
e gostas que te deixe no rosto
desenhos simples:
a mão… a boca…
.
Adivinho-te a súplica no olhar:
fica…
traz o tempo livre
nem que sejas silêncios
mas enlaça-me
.
fernando madruga
(ft)
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Natália Correia – POEMA PARA O AMIGO USENTE
Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar:
intangíveis laranjas de luz,
Laranjas que apetece roubar.
Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago:
seda imaterial, seda pura
de criança afogada no lago.
Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios de sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.
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Monteiro DeQueiroz
9 h ·
Senhora da Serra – Marão
11 de Julho de 2021 ·
Senhora da Serra | Senhora do Marão
11.julho.2021
Louvada seja na terra,
A Virgem Santa Maria!
Quer nas horas de tristeza,
Quer nas horas de alegria…
Louvada seja na terra,
A Virgem Santa Maria!
Quer sobre as ondas do mar,
Lá com a morte à porfia…
Louvada seja na terra,
A Virgem Santa Maria!
Quer nos escuros caminhos,
Pelas noites de invernia…
Louvada seja na terra,
A Virgem Santa Maria!
Quer no lume da lareira,
Quer no sol quando alumia…
Louvada seja na terra,
A Virgem Santa Maria!
Quer no amor de toda a hora,
Quer no pão de cada dia…
Louvada seja na terra,
A Virgem Santa Maria!
de António Corrêa de Oliveira
por Ana Pinto Leite no blogue “Quase Santos” em 13.jul.2006
http://quasesantos.blogspot.com/2006/07/em-dia-13.html [c.14abr2020]
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Outono (Artur Piçarra – Amália Rodrigues | Música: Altino M Cardoso)
OUTONO
1 Meditação… soledade
Perdidas nas tardes quietas; (bis)
Desolação e saudade (saudade) (bis)
Nas tristezas desinquietas. (bis) (bis)
REFRÃO
Abandono, esquecimento
Do martírio de viver…
Anda no céu qualquer coisa
(no céu qualquer coisa)
(Anda no céu qualquer coisa, no céu qualquer coisa)
Que nos ajuda a sofrer!
2 Roxos lírios desfolhados
Vestem todo o firmamento; (bis)
Há silêncios magoados (no mar) (bis)
Sobre o mar do pensamento. (bis)
3 Poentes alucinados
Estação das agonias! (bis)
– Romances inacabados (de amor) (bis)
Nascidos todos os dias. (bis)
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Fanatismo (Poema: Florbela Espanca-Livro de Sóror Saudade | Música: Altino M Cardoso)
FANATISMO
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
(no misterioso livro do teu ser)
A mesma história tantas vezes lida!… (bis)
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim! (bis)
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…” (bis)
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BEIJO
A – Beijo na face Pede-se e dá-se: Dá?
Que custa um beijo? Não tenha pejo: Vá!
Um beijo é culpa, Que se desculpa: Dá?
A borboleta Beija a violeta: Vá!
Um beijo é graça, Que a mais não passa: Dá?
Teme que a tente? É inocente… Vá!
Guardo segredo, Não tenha medo… Vê?
Dê-me um beijinho, Dê de mansinho, Dê!
B – Como ele é doce! Como ele trouxe, Flor,
Paz a meu seio! Saciar-me veio, Amor!
Saciar-me? louco…Um é tão pouco, Flor!
Deixa, concede Que eu mate a sede, Amor!
Talvez te leve O vento em breve, Flor!
A vida foge, A vida é hoje, Amor!
Guardo segredo, Não tenhas medo Pois!
Um mais na face, E a mais não passe! Dois…
A – Oh! dois? piedade! Coisas tão boas… Vês?
Quantas pessoas Tem a Trindade? Três!
Três é a conta Certinho, e justa… Vês?
E que te custa? Não sejas tonta! Três!
Três, sim: não cuides Que te desgraças: Vês?
Três são as Graças, Três as Virtudes; Três.
As folhas santas Que o lírio fecham, Vês?
E não o deixam Manchar, são… quantas? Três!
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Quem és Tu – Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen
QUEM ÉS TU?
Quem és tu?
que assim vens pela noite adiante,Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?
[Quem és tu?]
A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.
[Quem és tu?]
A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.
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Sophia de Mello Breyner Andresen
Porque.
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Ary dos Santos
Quadra Natalícia : Natal ; Natividade **Poema de : Ary dos Santos, in ‘As Palavras das Cantigas’** **
Quando um Homem Quiser
Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão
E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmão
Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão
**Poema de : Ary dos Santos, in ‘As Palavras das Cantigas’**
** Poeta José Carlos Ary dos Santos. Portugal 7 Dez 1937 // 18 Jan 1984**
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Teresa Rodrigues
3 h ·
A CHUVA CHOVE
A chuva chove mansamente…
como um sono
Que tranquilize, pacifique, resserene…
A chuva chove mansamente…
Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine…
E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono…
Véspera triste como a noite que envenene a alma, evocando coisas líricas de outono…
(…)
Cecília Meireles
Melhores Poemas, Global Editora, 1984
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ONDAS
Onde-ondas-mais belos cavalos
Do que estas ondas que vós sois
Onde mais bela curva do pescoço
Onde mais bela crina sacudida
Ou impetuoso arfar no mar imenso
Onde tão ébrio amor em vasta praia?
Dezembro de 1989 – Sophia de Mello Breyner Andresen
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Isabel Faria
14 min ·
Benvindo Outubro
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo!
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Miguel Torga, Outono, in Poesia Completa.
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O Palácio da Ventura – (Poema: Antero de Quental | Música: Altino Cardoso)
O PALÁCIO DA VENTURA
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!
(O palácio encantado da Ventura!)
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d’ouro com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!
(Silêncio e escuridão – e nada mais!)
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Despedida – (400 CPR, 436) [L e M: Altino M. Cardoso]
DESPEDIDA
Amor, quero falar-te: vais-te embora
Deixa desabafar meu pobre peito
É um sopro imperceptível, já desfeito,
A última palavra desta hora.
Repara no meu rosto contrafeito
Repara neste olhar, como ele chora,
Tu vais fugir, amor, mas mesmo agora,
Levas até as lágrimas que deito.
Para aqui estou a chorar… na noite escura
Que me reveste a alma à despedida!
As lágrimas caídas a teus pés
São estrelas cadentes sem ventura
Que irão encher de luz a tua vida
E enegrecer a minha lés-a-lés.
Que irão encher de luz a tua vida
E enegrecer a minha lés-a-lés.
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Lua de Londres (L-João de Lemos | M-Altino M Cardoso)
LUA DE LONDRES
É noite; o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu:
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor,
Não traz cortejo de estrelas,
Não fala d’amor às belas,
Não fala aos homens d’amor.
Meiga lua! os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d’além do mar?
Foi na terra tua amada,
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores,
Pátria do meu coração?
Oh! que foi!… deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noites de Primavera
Se escutasse o rouxinol.
Tu vens, ó lua, tu deixas
Talvez há pouco o país,
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz;
Amaste do ar a doçura,
Do azul céu a formosura,
Das águas o suspirar;
Como hás-de agora entre gelos
Dardejar teus raios belos,
Fumo e névoa aqui amar?
Quem viu as margens do Lima,
Do Mondego os salgueirais,
Quem andou por Tejo acima,
Por cima dos seus cristais,
Quem foi ao meu pátrio Douro,
Sobre fina areia d’ouro,
Raios de prata esparzir,
Não pode amar outra terra
Nem sob o céu d’Inglaterra
Doces sorrisos sorrir.
Das cidades a princesa
Tens aqui; mas Deus, igual
Não quis dar-lhe essa lindeza
Do teu e meu Portugal;
Aqui, a indústria e as artes,
Além, de todas as partes,
A natureza sem véu;
Aqui, oiro e pedrarias,
Ruas mil, mil arcarias,
Além, a terra e o céu!
Vastas serras de tijolo,
Estátuas, praças sem fim
Retalham, cobrem o solo,
Mas não me encantam a mim;
Na minha pátria, uma aldeia,
Por noites de lua cheia,
É tão bela e tão feliz!…
Amo as casinhas da serra,
Co’a lua da minha terra,
Nas terras do meu país.
Eu e tu, casta deidade,
Padecemos igual dor,
Temos a mesma saudade,
Sentimos o mesmo amor:
Em Portugal, o teu rosto,
De riso e luz é composto,
Aqui, triste e sem clarão;
Eu lá, sinto-me contente,
Aqui, lembrança pungente
Faz-me negro o coração.
Eia, pois, ó astro amigo,
Voltemos aos puros céus,
Leva-me, ó lua, contigo
Preso num raio dos teus;
Voltemos ambos, voltemos,
Que nem eu, nem tu podemos
Aqui ser quais Deus nos fez;
Terás brilho, eu terei vida,
Eu já livre, e tu despida
Das nuvens do céu inglês.
João de Lemos, in ‘Impressões e Recordações’
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A JUDIA (L-Tomás Ribeiro| M-AMC) [CPR 399]
A JUDIA
Corria branda a noite;
imersa em funda mágoa
fui assentar-me triste e só no meu jardim;
ouvi um canto ameno…
e um barco ao lume d’água
vogava brandamente… a voz dizia assim:
B
– “Dormes? e eu velo, sedutora imagem,
grata miragem que no ermo vi:
dorme, impossível que encontrei na vida! (bis)
dorme, querida, que eu descanto aqui!
Dorme! eu descanto
a acalentar-te os sonhos,
virgens, risonhos, que te vêm dos céus:
dorme e não vejas o martírio, as mágoas
que eu digo às águas e não conto a Deus!”
A
Se a triste da judia ousasse ter desejo
de pátria sobre a terra, aqui prendera o seu
um bosque sobre a praia,
um barco sobre o Tejo,
o eleito da minh’alma
um coração só meu!…
B
Porque há-de o lume de teus olhos belos,
mostrar-me anelos d’infinito ardor?
porque esta chama a consumir-me o seio?
Deus de permeio nos maldiz o amor!..
Dorme, que eu velo,
sedutora imagem,
grata miragem que no ermo vi:
dorme, impossível que encontrei na vida!
dorme, querida, que eu não volto aqui!”
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AO LONGE OS BARCOS DE FLORES (L-Camilo Pessanha | M-AMC) [CPR 403]
AO LONGE OS BARCOS DE FLORES
1. Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
− Perdida voz que de entre as mais se exila,
− Festões de som dissimulando a hora.
2. Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora…
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
3. E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta, débil… Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora…
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REGRESSO AO LAR (Guerra Junqueiro) [Recolha e Arranjo AMC]
REGRESSO AO LAR
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!…
Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh, a ingénua alma tão desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!…
Trago de amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!…
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!…
Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!…), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…
Canta-me cantigas manso, muito manso…
tristes, muito tristes, como à noite o mar…
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!
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ASAS BRANCAS (Almeida Garrett) [Recolha e Arranjo AMC]
ASAS BRANCAS
Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu, (bis)
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu. (bis)
— Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
— Veio a ambição, co’as grandezas,
Vinham para mas cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
— Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas…
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores…
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
— Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Pena a pena me caíram…
Nunca mais voei ao céu.
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LADAINHA (L-António Nobre – SÓ | M-AMC) [CIL 129]
LADAINHA
Teu coração dentro do meu descansa,
Teu coração, desde que lá entrou:
E tem tão bom dormir esta criança,
Deitou-se, ali caiu, ali ficou…
Dorme, menino! Dorme, dorme, dorme!
O que te importa o que no Mundo vai?
Ao acordares desse sono enorme
Tu julgarás que se passou num ai.
Dorme, criança! Dorme, sossegada,
Teus sonos brancos ainda por abrir:
Depois a Morte não te custa nada,
Porque a ela habituaste-te a dormir…
Dorme, meu Anjo! (a Noite é tão comprida!)
Que doces sonhos tu não hás-de ter!
Depois, com o hábito de os ter na Vida
Continuarás depois de falecer…
Dorme, meu filho! Cheio de sossego,
Esquece-te de tudo e até de mim.
Depois…de olhos fechados, és um cego,
Tu nada vês, meu filho! E antes assim.
Dorme os teus sonhos, dorme e não mos digas,
Dorme, filhinho! Dorme, dorme “ó -ó”…
Dorme, minha alma canta-te cantigas,
Que ela é velhinha como a tua Avó!
Nenhuma ama tem um pequenino
Tão bom, tão meigo; que feliz eu sou!
E tem tão bom dormir esse menino…
Deitou-se, ali caiu, ali ficou.
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AS ANDORINHAS (L-Auguso Gil | M-AMC) [CPR 405]
AS ANDORINHAS
Boca talhada em milagrosas linhas,
A luz aumenta com o seu falar.
Esta manhã, um bando de andorinhas
Ia-se embora, atravessava o mar. (bis) (bis)
Chegou-lhes às alturas, pela aragem,
Um adeus suave que ela lhes dissera,
– E suspenderam todas a viagem,
Julgando que voltara a primavera… (bis)
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‘DESDICHADA’ (L-Gonçalves Crespo | M-AMC) [CPR 431]
DESDICHADA
1. Sozinha e ao desamparo ela vivia
Nesse pobre casebre abandonado;
Não conhecera pai nem mãe; doía
Fitar aquele rosto macerado.
Nenhum rapaz esbelto a convidava
Para os descantes da festiva aldeia;
E consigo a mesquinha suspirava:
– Doce Jesus, por que nasci tão feia?
2. Quando a Lua no céu azul surgia,
De alvo banhando a múrmura devesa,
No postigo do albergue a sós gemia,
Triste mulher sem viço nem beleza.
Chamou-a Deus enfim! Quando passava
O singelo caixão na triste aldeia,
Melancólico o povo murmurava:
– Vai tão bonita, olhai!, e era tão feia!…
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O ROUXINOL DO CALVÁRIO (L-Gomes Leal | M-AMC) [CPR 460]
O ROUXINOL DO CALVÁRIO
Na noite que passou
o Cristo, no Calvário,
um rouxinol cantou
sobre a Cruz, solitário.
Os trigueiros soldados
e os lírios de Salém,
perguntavam pasmados:
– Que voz canta tão bem? (bis)
2. Como sentindo os males
das suas próprias penas,
vergavam-se nos cálix,
chorando, as açucenas.
Choravam os caminhos,
os dados, os cilícios,
a grinalda de espinhos
e a esponja dos suplícios.
3. Choravam os sem luz
e os rijos peitos bravos.
Começavam na cruz
a vacilar os cravos.
Pelo tranquilo espaço,
paravam as estrelas,
e o vagaroso passo
as mudas sentinelas.
4. Os peitos desumanos
ressentiam mudanças.
Deixavam os romanos
escorregar as lanças.
Assim cantou… cantou…
lembrando o Amor, o Céu.
Quando Jesus morreu,
do lenho, enfim, voou!…
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PÁLIDA E LOIRA (L-António Feijó | M-AMC) [CPR 462]
PÁLIDA E LOIRA
Morreu. Deitada num caixão estreito,
pálida e loira, muito loira e fria,
o seu lábio tristíssimo sorria
como num sonho virginal desfeito.
Lírio que murcha ao despontar do dia,
foi descansar no derradeiro leito,
as mãos de neve erguidas, sobre o peito,
pálida e loira, muito loira e fria.
Tinha a cor da rainha das baladas
e das monjas antigas maceradas
no pequenino esquife em que dormia.
Levou-a a morte em sua garra adunca,
e eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
pálida e loira, muito loira e fria.
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VENDO-A SORRIR (L – G Junqueiro M – AMC) [CPR 489]
VENDO-A SORRIR
1.Filha, quando sorris, iluminas a casa
Dum celeste esplendor.
A alegria é na infância o que na ave é asa
E perfume na flor. (bis)
Refrão:
Ó doirada alegria, ó virgindade santa
Do sorriso infantil! (bis)
Quando o teu lábio ri, filha, a minha alma canta
Todo o poema de Abril. (…)
2.Ao ver esse sorriso, ó filha, se concentro
Em ti o meu olhar,
Engolfa-se-me o céu azul pela alma dentro
Com pombas a voar.
3.Sou o Sol que agoniza, e tu, meu anjo loiro,
És o Sol que se eleva.
Inunda-me de luz, sorri, polvilha de oiro
O meu manto de treva!
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SAUDADE (L – António Nobre | M – AMC) [CIL 206]
SAUDADE
Saudade, saudade! palavra tão triste,
E ouvi-la faz bem!
Meu caro Garrett,
tu bem na sentiste,
Melhor que ninguém !
Saudades da virgem de ao pé do Mondego,
Saudades de tudo:
Ouvi-las caindo
Da boca dum Cego,
Dos olhos dum Mudo!
Saudades de Aquela que, cheia de linhas,
De agulha e dedal,
Eu vejo bordando
Galeões e andorinhas
No seu enxoval.
Saudades! e canta, na Torre deu a hora
Da sua novena:
Olhai-a! dá
ares de Nossa Senhora,
Quando era pequena.
Saudades, saudades! E ouvide que canta
(E sempre a bordar)
Que linda!
Quem canta seus males espanta
E eu vou-me a cantar…
«Virgílio é estudante, levou-o o seu fado
A terras de França!
Mais leve que
espuma, não tenho pecado,
Que o diga a balança.»
«Separam-me dele cem rios, cem pontes,
Mas isso que faz?
Atrás desses montes,
ainda há outros montes,
E ainda outros, atrás!»
«Não tarda que volte por montes e praias,
Formado que esteja;
E iremos juntinhos,
ah tem-te-não-caias !
Casar-nos à Igreja.»
«Virgílio é um anjo, não tem um defeito,
É altinho como eu;
Os lábios com lábios,
o peito com peito…
Ah, Virgem do Céu!»
«O Amor, ai que enigma! consolo no Tédio,
Estrela do Norte!
O Amor é doença,
que tem por remédio
Um beijo, ou a Morte.
«Às vezes, eu quero dizer-lhe que o amo,
Mas, vou-lho a dizer, Irene não
fala (Irene me chamo)
E fica a tremer…»
«Quando ia ao postigo falar-lhe, tão cedo,
(Tu, Lua, bem viste) Ai que olhos
aqueles! metiam-me medo….
E sempre tão triste!»
«Perfil de Teresa, velado na capa,
Lá passa por mim: Ó noites da
Estrada, tardinhas da Lapa,
Choupal! e Jardim!»
«Cabelos caídos, a cara de cera,
Os olhos ao fundo! E a voz de Virgílio,
docinha que ela era,
Não é deste Mundo!»
«Saudades, saudades! Que valem as rezas,
Que serve pedir! No altar
continuam as velas acesas,
Mas ele sem vir!»
«Já choupos nasceram, já choupos cresceram,
Estou tão crescida! Já choupos
Morreram, já outros nasceram…
Como é curta a Vida!»
Pró mar do Senhor, Ah vê se na costa
Se vem o Vapor…»
«Meu santo Mondego, que voas e corres,
Não tenhas vagares! Mondego dos
Choupos, Mondego das Torres,
Mondego dos Mares!»
«Mas ai ! o Mondego (Senhora da Graça,
Sou tão infeliz!) Já foi e já volta,
lá passa que passa,
E nada me diz…»
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CHUVA DA TARDE (L – António Sardinha |M – AMC) [CIL 51]
CHUVA DA TARDE
Chuva da tarde, melodia mansa,
desejos vagos de chorar baixinho…
Voltei aos meus caprichos de criança,
Só quero, amor, saber do teu carinho!
Chuva da tarde… na poeira ardente
cai um frescor inesperado e calmo.
É um frescor que purifica a gente
como a leitura mística de um Salmo
Meu coração doente remoçou-se
quando o tocaram essas mãos piedosas . . .
Chuva da tarde — enfermaria doce
Aonde vão convalescer as rosas!
Chuva da tarde… ao longo das varandas
reza mistérios lentos a noitinha;
Que bom não é sonhar com coisas brandas
nas tuas brandas asas de andorinha!
Deixa que a sombra te emoldure a face,
– eleva no silêncio a tua voz!
O Cântico dos Cânticos renasce,
– diria até que se escreveu para nós !
Chuva da tarde… aragem de veludo
Penas dum anjo que as perdeu voando
Oh, minha Amiga, como é bom ser mudo,
Se a alma está sonhando um sonho brando!
Voltei aos meus caprichos de criança,
só quero, Amor, saber do teu carinho…
Chuva da tarde, melodia mansa,
desejos vagos de chorar baixinho . . .
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