Museu Saloio – MEMÓRIA IMATERIAL

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MUSEU SALOIO–MEMÓRIA IMATERIAL

(Estudo etnográfico e musical

Álbum fotográfico legendado)

O epíteto "SALOIO"

Segundo Altino Cardoso, o professor, escritor, musicólogo e investigador, a partir da análise do Foral de D. Afonso Henriques a Sintra e da caracterização demográfica no séc. XVI, situa no séc. XVIII o surgimento do epíteto “saloio”, atribuído aos habitantes rurais que abasteciam a população snob lisboeta. Os rurais consideravam os mordomos lisboetas, designados “alfacinhas“ uns fracos, mal alimentados; que os recebiam com desprezo carregados, cheios de quilómetros nos pés e odor corporal (salauds). Para além de outras notícias, este odor corporal, alcunha esta gente rude e simples de Saloios. São estes ditos saloios, que pela procura Alfacinha de alimentos, começam a abastecer a cidade provenientes dos arrabaldes, num raio de cerca de 35km a norte (Torres Vedras ) e também a sul, como até à pouco tempo, aliada à tradição religiosa centenária do “Círio“ de N. Srª do Cabo Espichel.

In: https://mariaalmiramedina.weebly.com/biografia-altino-cardoso.html

NOTA de Altino Cardoso: Ser SALOIO é ter a dignidade bíblica de “ganhar o pão com o suor do seu rosto”.

Ler em Cesário Verde (uma visão carinhosa da heróica Mulher Saloia):

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NUM BAIRRO MODERNO 
– Cesário Verde
_________________
[…]
E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado:
«Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais.» E muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.
[…]
O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
«Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...»

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

«Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!»
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dos excessos de virtude
Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam as carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de Agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.
[…]
E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.
___________
Cesário Verde, poeta de Linda-a-Pastora

ALGUNS TRAJES SALOIOS
[Cortesia do Rancho VENDEDEIRAS SALOIAS - M Martins-SINTRA]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Livro: 
MUSEU SALOIO - MEMÓRIA IMATERIAL
-------  ÍNDICE  -------

PREÂMBULO 7
Porquê Saloio? 7
Âmbito deste estudo 9

A – IDENTIDADE SALOIA 11
1. Enquadramento sócio-histórico 11
2. As teorias 16
SINTRA – CENSO DE 1532 20
CONCLUSÃO: 21
Significados e Etimologias de “SALOIO”: 23
Significados de “saloio“: 23
Etimologias de “saloio“: 23
A nossa definição de “saloio” 25
Alcunhas no trabalho rural 28
Os saloios, segundo Sotto Mayor 29
Lisboa, segundo Júlio Dantas 31

B – OS ESPAÇOS SALOIOS 37
Esboço diacrónico 37
O Espaço palaciano 40
O Espaço rural 44
AMBIENTE SALOIO 45

C – O TRABALHO SALOIO 57
Caracterização rural 57
Alguns produtos de marca saloia 70

D – O VESTUÁRIO RURAL SALOIO 77
O Trajar dos saloios 77
TRAJE DO HOMEM 78
A cabeça 78
O tronco 78
As pernas 79
Os pés 79
TRAJE DA MULHER 80
A cabeça 80
Os pés 86
Fotos de trajes saloios 91
Mulheres 92
saloias 92
Outros trajes femininos saloios 103
Casais 104
saloios 104
Homens 106
saloios 106
Outros trajes masculinos saloios 112

E – AS CRENÇAS E A DIVERSÃO 117
MEZINHAS – Chás medicinais 118
RELIGIOSIDADE POPULAR 122
ORAÇÕES 122
REZAS E BENZEDURAS 130
Superstições diversas 130
Mezinhas e esconjuros 131
Convívio 138
Nossa Senhora do Cabo Espichel 142
Mitos e mistérios seculares 143

F – A POÉTICA E A MÚSICA 149
A – A TRADIÇÃO POÉTICO-MUSICAL 149
B – OS INSTRUMENTOS MUSICAIS 150
C – AS DANÇAS E SEUS CONTEXTOS 157
D – AS DANÇAS CONSERVADAS 167
PRINCIPAIS GÉNEROS MUSICAIS E DANÇAS SALOIAS 168
O CONTEXTO ACTUAL AUTÓCTONE 171
(REGIONAL OU NACIONAL) 171
CANÇÕES AUTÓCTONES – observações poético-musicais 178
O CONTEXTO BRASILEIRO 180
CANÇÕES DE CONTEXTO BRASILEIRO 182
– observações poético-musicais 182
MÚSICAS DE CONTEXTO PALACIANO 184
CANÇÕES DE CONTEXTO PALACIANO 190
– observações poético-musicais 190
Observações complementares 193
A ESCRITA MUSICAL 193

_________________________


A ESCRITA MUSICAL
Observações preliminares:
1. Ver mais músicas  (170) no CANCIONEIRO SALOIO, do mesmo autor;
 2. Este texto é um extracto [sem as numerosas notas de rodapé] do livro MUSEU SALOIO - MEMÓRIA IMATERIAL (Pgs. 193-193)

Depois de vários anos de coleccionismo de publicações (livros, revistas, CDs e cassetes), audição de cantadores em feiras (S. Pedro de Penaferrim, Fanares, Mafra, Carcavelos, Malveira; Bombarral, Cadaval…) e gravações em espectáculos, transferi para as pautas as músicas das folhas escritas in loco e as gravações efectuadas e cedidas por alguns agrupamentos.
Ao passar à escrita, tento ser sempre exacto e rigoroso com relevo para a transcrição da melodia. Isto é: valorizo a notação pura da linha melódica para facilitar a leitura e a aprendizagem. Uma dificuldade acrescida reside nas variantes que o próprio intérprete (ou grupo de intérpretes, cantores ou instrumentistas ) insere na mesma cantiga. Não considero essencial, por isso, aprofundar alguns pormenores ornamentais (muito belos, aliás!) dos acordeonistas e concertinistas – geralmente artistas de grande sensibilidade musical, cujo expoente é, reconhecidamente, o saudoso tocador João Baleia. (…)

Na abordagem, recolha e escrita das cantigas, toques e ‘bailhos’, optei por empregar uma metodologia em que são visíveis ou coexistem quatro blocos de composições desse repertório tradicional do Amor e Divertimento, que movimentava muitos passos e vontades: havia mesmo espaços especificamente destinados à dança: eram as “casas da brincadeira”, onde não entravam senão homens e mulheres feitos (estas sempre acompanhadas por amigas ou familiares). à vezes a entrada masculina era paga, para prover às despesas de lojística e tocadores. A porta ficava fechada. À saída proporcionavam-se, amiúde, cenas de ciúme e confrontos físicos. Havia uma destas salas em Meleças, no eixo Algueirão–Mem Martins-Venda Seca-Rinchoa.
O repertório destes bailes era formado por tocadores de ocasião e as cantigas da moda, que se poderão virtualmente catalogar e que ordenei segundo subjectivos níveis de importância:
1º – o que se integra bem no estilo ou espírito geral do que se pode entender por música popular portuguesa – e em que são incluídos os Viras, os Verde-Gaios, o Fandango, a Valsa, o Bailarico, o Despique (Desgarrada), o Fado, o Corridinho (e as Carreirinhas), o Rimance.
2º – O habitat social e familiar do folclore saloio, as casas da brincadeira e os espaços festivos, só em ocasiões muito especiais (festas populares) se transferia para Lisboa acedendo à esfera dos espectadores das classes altas, dadas as clivagens existentes na época, mas em que os maiores inimigos dos saloios eram os burgueses e não os nobres. As festas populares já então funcionavam como pausas notáveis na tensão social entre os saloios e ‘a civilização’. Deve-se notar, talvez como curiosidade, que a inspiração cristã dos festejos aos santos (António, João, Pedro) gerava o ‘milagre’ da aproximação entre irmãos, ricos ou pobres, civilizados ou não, como Cristo manda.
Portanto, os saloios – e trata-se do segundo bloco – não deixam as suas marcas musicais apenas na mancha rural, mas conquistam acesso aos pátios e salões dos nobres através do calendário do Cristianismo. Isto para além de espalharem virilmente os seus pregões nas ruas de Lisboa, poderosa publicidade on line enxertada atrevidamente no sono alfacinha.
3º – Os saloios, como mão-de-obra, tinham acesso ao fausto da sociedade esbanjadora do ouro das colónias no eixo dos palácios e mansões da zona: Oeiras, Queluz, Belas, Sintra e Mafra.
O terceiro bloco faz da música tradicional saloia a mais palaciana, global (europeia) e aristocrata do nosso País, comparável à da região francesa do Loire, na vizinhança dos numerosos castelos da zona. A difusão da cultura europeia processava-se em língua francesa.
Quero sublinhar bem este bloco, que engloba a influência palaciana, sempre plasmada e veiculada pela dinâmica francesa, a criadora da moda e do turismo. Estes dados históricos estão bem documentados em modas como o “Passecate” (de Passo de Quatro ou Pizzicato?), o “Grogê” ou “Grojé” (Gorjeta=pourboire(fr.)), a “Polca” (origem checa), a “Mazurca” (origem polaca), Contradança (“country dance”, inglesa…), a Chotice (da escocesa schottische), etc.
Tais modas (e outras cujos nomes de origem foram logo assimilados com nomes populares mas conservaram um quid solene, fino, aristocrata, foram importadas do meio senhorial ou palaciano: os saloios eram solicitados para serviços diários mais ou menos regulares : jardineiro, construtor, cavador, condutor, mordomo, operário… e a delicada saloia, moça moreninha e arranjadinha, tinha acesso a certa intimidade como criada, lavadeira, açafata, costureira, cozinheira…
Além de aprenderem com a fidalguia, os saloios eram por vezes convidados a apresentar as suas danças ‘nos palácios dos marialvas’ (ver Picadinho-Venda Seca).
4º – Também, finalmente, não serão de desprezar certas reminiscências brasileiras, como quarto bloco, visíveis, por exemplo, na estrutura melódica e rítmica de uma curiosa peça de maldizer brejeiro dos Recreios de Venda Seca (“Bailho Escovinhado”).
Vou documentar preferencialmente o primeiro e segundo blocos, com realce para a perspectiva ‘palaciana’, que abre bastantes brechas na obscuridade que a poeira da história lançou sobre a individualidade tradicional, pois não é impossível estudar documentação relativa a eventos da época, geradores de movimentos de estrangeiros (diplomáticos, matrimoniais, comerciais, políticos…) que ficavam alojados nos nossos palácios e eram brindados com banquetes, cerimónias e espectáculos a que os saloios assistiam e, cá fora, imitavam ou adaptavam aos seus recursos culturais e instrumentais.
O Saloio tem pergaminhos de inteligência (a que acrescenta manha) e, como qualquer aldeão, grande capacidade de adaptação e aprendizagem. Soube no passado minimizar o negativo e desenvolver o futuro pela positiva.
Afinal, quem foram os construtores dos magníficos palácios e casas senhoriais dom eixo Oeiras-Cascais-Sintra-Mafra, etc.?
Hoje, no sector primário, possui uma agricultura florescente, que ainda leva em bons camiões para a grande Babilónia do consumo que é a Grande Lisboa e oferece produtos caseiros mimosos; no secundário, mostra capacidade de desenvolver uma indústria poderosa, de nível europeu, sobretudo no sector da pedra, da metalurgia e, agora, também do mobiliário.
A conjugação destes factores proporciona, com naturalidade, um apreciável potencial financeiro.

Este livro insere uma pequena antologia de cantigas de amor e divertimento do folclore tradicional da Região Saloia, quer recolhidas (escritas e gravadas) em espectáculos e audição de ‘informadores’, quer lidas e escritas a partir de meios de reprodução existentes (cassettes).
No meu CANCIONEIRO SALOIO, a recolha das músicas localiza-se em boa parte da Região Saloia, onde só recentemente o formigueiro do urbanismo arrasou as hortas, com destaque para o concelho de Sintra e o seu cordão rural, desde a zona do Magoito a S. João das Lampas, Rinchoa, Venda Seca, e, também, Algueirão-Mem Martins.
Mais uma vez quero deixar a minha homenagem, admiração e apreço, a todos os componentes anónimos dos (sem qualquer excepção) numerosos e bons Ranchos existentes na nossa tão laboriosa e rica Região Saloia (direcções, tocadores, ensaiadores, dançarinos, cantores, roupeiros, etc.) pelo gosto, pela vontade e pelo trabalho que estão a realizar, alguns há décadas.

NOTA: Ver mais [e com as muitas notas de rodapé] em: MUSEU SALOIO – MEMÓRIA IMATERIAL (Pgs. 193-193)

A – Músicas do contexto autóctone (exemplos)

Dança de roda

No alto daquela serra (bis)
Stá um lenço (stá um lenço) a acenar…
Stá um lenço a acenar… (bis)
Stá dizendo Viva! Viva! (bis)
Viva (viva viva) quem bem sabe amar!
Viva quem bem sabe amar! (bis)

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Bailarico saloio 2 (Recolha e arranjo instrumental AMC)

Refrão:

A moda do bailarico
não tem nada que saber:
é andar co’o pé no are
outro no chão a batere

É andar co’o pé no are
outro no chão a batere
– a moda do bailarico
não tem nada que saber!

Ó Maria assaloiada,
és uma grande mulher
não sei que saloia és tu
que qualquer homem te quer!

Não sei que saloia és tu
que qualquer homem te quere…
ó Maria assaloiada,
és uma grande mulher!
____
OBS – Notar o paralelismo formal e semântico da tradição galego-portuguesa medieval


Outra letra:

BAILARICO SALOIO

REFRÃO
Todos – O bailarico saloio
Não tem nada que saber:
É andar c’ um pé no ar
Outro no chão a bater.

Ele – Já que me pedem que cante,
Coisa que fazer não sei,
Hoje aqui neste auditório
O que nunca fiz, farei!

Ela – Já que me pedem que cante,
Vou-lhes fazer a vontade;
Mas não sei que graça tenha
Ouvir cantar quem não sabe.

Ele – Que lindo botão de rosa
Aquela roseira tem!
Debaixo ninguém lhe chega
Acima não vai ninguém!

Ela – Dizem q’ já não há as rosas
Que aquela roseira tem:
Debaixo ninguém lhe chega
Acima não vai ninguém!

Ele – Se o meu amor me deixar
De mim ninguém tenha dó:
Muito fraco é o navio
Que tem uma amarra só!

Ela – Que tem uma amarra só
Ainda te digo outra vez:
Muito fraco é o navio
Que não tem duas ou três!

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Bico e tacão (Recolha e escrita musical de AMC)

Bico e tacão (Recolha e arranjo instrumental AMC)

Valseado (Recolha e escrita musical de AMC)

Vira de três  (Recolha e escrita musical de AMC)

Desgarrada saloia (Recolha e arranjo instrumental AMC)

Corridinhas do Baleia (Homenagem ao acordeonista João Baleia)  (Recolha e arranjo instrumental AMC)

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O Antigo Bailarico (Recolha e escrita musical de AMC)

OBS preliminar: Como é natural  na transmissão da Memória Humana, as frases musicais – dada a sua constituição matemática estrutural – conseguem perdurar intactas na memória secular do Povo,. Mas as as letras, apesar de a rima as ajudar a fixar, passam por uma série de desgastes e emendas. Assim, o popularíssimos bailaricos saloios apresentam múltiplas versões. Ver o CANCIONEIRO SALOIO, também de Altino Cardoso.

a) a mensagem poética da cantiga:
O rapaz anda à procura de rapariga (para nora do pai) e naquele bailarico encontra “tanta menina bonita” por onde escolher.
Já com o coração preso, vai ficar assíduo frequentador do ‘bailarico saloio’, que até se aprende depressa; “não tem nada que saber
De modo juvenil e original, mas altamente poético, ‘saboreia’ plasticamente com os olhos as muito jovens raparigas presentes:

com parra pode-se facilmente conotar:
vestidos (“a arrastar”),
uva (os seios),
silva = vigilância, medo social,
amora (=olhos negros) (= paixão).

E comparemos com um extracto da poesia simbolista de vanguarda de Eugénio de Castro (OARISTOS):

A sua boca é um sorvete de morangos (…)
Seu capitoso olhar é um vinho que embebeda,
Seus negros olhos são duas amoras negras (…)

b) a dança

Na segunda parte os pares agarram-se e valseiam (“bailarito singelo”); no “bailarito passado”, cada um passa pelo elemento do par vizinho, fazendo um oito em seu redor. Bailava-se ‘de quatro’, ‘de seis’, e ‘oito’, etc.

c) o modo musical:
O bailarito, como os saloios lhe chama(va)m, é uma das modas mais antigas.
Este deve ser situado na sequência das cantigas medievais de maldizer: embora a ironia do diálogo seja suave, a rapariga rejeita a imaturidade do pretendente, que, infantilmente, não a tenta conquistar como exclusiva, pois apenas a situa entre “tantas” outras.

Embora a norma seja cantada, vários tocadores transformam as músicas dos bailaricos em rapsódias.
A moda é bailada de roda, em ritmo binário semelhante à marcha, mas com variedade de movimentos dos pares.
O bailarico apresenta variedades na Região Saloia Estremenha e, até, no vizinho Ribatejo, tanto no toque como no canto e, ainda, na coreografia.
É, talvez, a música mais genuína e antiga da Região Saloia, tanto tocada como cantada.
Pode admitir-se, no entanto, que acabou por se deixar infiltrar pelo contexto das modas que iam passando através do tempo.
Parece anterior ao intercâmbio internacional – sobretudo francês – de irradiação palaciana.
Tem várias designações e coreografias: Bailaricos, Modas dos Bailaricos, Bailaricos Antigos, Bailaricos de Agora…

B – Músicas do contexto palaciano

É altura, também, de recordar que, na literatura portuguesa, as primeiras honras são dadas às cantigas ‘de amigo’ medievais, criadas e mantidas pelas mulheres (depois imitadas pelos jograis e trovadores) e em que o universo feminino de sentimentos e preocupações ocupa lugar primordial – até porque os homens, ou andavam na guerra (fossado) contra mouros e castelhanos, ou preferiam ocupações e actividades mais físicas e de ar livre.
Encontro reminiscências desse feminismo amoroso e frágil do ‘cantar de amigo’ no VIRA DA PENINHA (ver).

Além das danças de entretenimento popular, desenvolveram-se também as danças de salão, em que a mulher é objecto de deferência, charme e mesura, propiciadoras do diálogo, contacto e sedução, geralmente com vista ao planeamento matrimonial, que, na altura, era um projecto familiar e não deixado ao critério individual juvenil. Existia, como vimos, uma permeabilidade indesmentível: como que osmose antropológica solidária e humanizante através da Arte.
Muitas das danças de maior vitalidade entre os saloios são provenientes da Europa, pela via francesa. Luís XIV, “rei-sol” e ditador também da moda e divertimentos palacianos, contratava músicos profissionais, especializados em encontrar peças polulares por toda a França e, mesmo, na Europa e apurá-las para o pavoneante espectáculo do canto, trajes e danças maneiristas cortesãs.
Toda a nobreza europeia copiava estas magnificências sem as poder igualar.
Júlio Dantas refere que, em 1743, se tocavam minuetes e contradanças no carrilhão da igreja do Loreto em Lisboa.
Testemunho semelhante regista Armando Leça.
A. Sotto-Mayor refere que os saloios antigamente dançavam contradanças inglesas e, hoje (1858), já invadiram o repertório francês. J.A.Sardinha regista a contradança numa aldeia da Lourinhã (Miragaia) em que as ordens dadas em francês aos pares, pelo corifeu ou mandador.

EXEMPLOS

Contradança (Recolha e arranjo instrumental AMC)

Dança palaciana (Recolha e arranjo instrumental AMC)

Minuete (Recolha e arranjo instrumental AMC)

Passecate (Recolha e arranjo instrumental AMC)

PASSECATE

É uma dança de origem inglesa que a França adaptou e divulgou por toda a Europa, e chegou a Portugal nos finais do século XVIII. O nome apresenta variantes, segundo os ranchos de cujo repertório faz parte.
É, com certeza, uma música muito antiga e de origem palaciana e deve ter sido ‘adoptada’ pelos serviçais da zona saloia, como acontece em muitas outras.
Tem vários nomes: «Passo de Quatro», «Passe Cato» ou «Pace Cate» ou «Passo de Catre».
Apesar do nome (de Quatro), a dança não tem essa coreografia. [investigámos em 2006]
É uma dança de roda, saltada, de inspiração palaciana.
Não é certo que tenha entrado nos tempos das invasões francesas, ainda por cima que os soldados e o povo se juntassem para cantar e dançar.
Nesta dança, os homens rodam por dentro da roda e as mulheres pelo exterior.
O homem conduz a mulher com a sua mão direita, avançando em sentido anti-horário ao som de uma canção a um compasso binário.
É de crer que tal denominação possa derivar do facto de ser tocada originariamente por um cravo ou instrumento de dedilhação (pizzicato), palheta ou plectro, dos vários existentes na época, ainda antes do piano-forte e, claro, muito antes das concertinas.
Em pizzicato, a sílaba tónica assimila os dois is átonos anteriores, aliás fragilizados com a pronúncia em -e- (como em menistro); tal assimilação (vocálica, regressiva) é facilitada também pela analogia (lógica, mas não real) com quatro passos.
A dança apresenta fortíssimos vestígios da mesura solene palaciana, típica do cerimonial do salão nobre barroco e maneirista.
O povo absorveu essa sensibilidade e intuição de nobreza e, por regra, só a dançava em ocasiões especiais, por exemplo em casamentos.

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CHOTICE SALOIA
Uma das modas mais apreciadas na região e das mais viris nos bailes. ´
É de origem escocesa, schottische, foi difundida pelos franceses, mas aparece relacionada com chouto, que tanto significa o trote miúdo das bestas que incomoda quem monta, como também quer dizer choutar, pisar com os pés.
Parece que provém daqui o seu carácter de dança salteada.
Assemelha-se bastante às carreirinhas, que têm o passo mais lento, porém.

Chotice saloia (Recolha e escrita musical de AMC)

Chotice saloia (Recolha e arranjo instrumental AMC)

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A polka tem ritmo binário, e é proveniente da Boémia.
Chegou a Lisboa, via Paris, em 1844 (há certeza?).
Os saloios adoptaram esta dança com entusiasmo, chegando a denominá-la como “saltitante”.
A CHOTIÇA, ou polca alemã, é “uma polca mais lenta”, originariamente de dança circular.

Polka e Mazurka (Recolha e escrita musical de AMC)

Polca e mazurca (Recolha e arranjo instrumental AMC)

POLCA
Música divertida, a dois tempos. O nome deriva do checo pulka, pulinho, meio passo.
A Polca é uma dança popular oriunda da República Checa, da região da Boémia. No século XIX esta região fazia parte do antigo Império Austro-Húngaro.
A dança foi introduzida nos salões europeus da era pós-napoleónica.
Tem o atractivo da aproximação física dos dançarinos, em duas possibilidades de evolução do par enlaçado: rodeando (um giro após seis passos, com meio giro no terceiro, e outro depois dos três últimos), ou, mais animadamente, com rápidos pulinhos nas pontas dos pés. Tudo dentro de um compasso binário simples, de movimento em allegretto, à base de colcheias e semi- -colcheias, com breves pausas regulares no fim do compasso, permitia aos pares as novas possibilidades de aproximação dos corpos, dançar agarrado.

MARZUCA
A mazurca transcrita é uma dança a três tempos, mais solene e cerimonial, originária da Polónia.
Trata-se de uma moda curiosa, de origem palaciana, a dois andamentos: a primeira parte inclui a marzuca ternária e a segunda associa uma estrutura de polca, binária.
É uma peça de bom efeito visual coreográfico e, dada a alternativa rápida do ritmo (binário/ternário), proporciona divertidos e aparentemente ingénuos toques entre os pares.
Os pares vão formando figuras e desenhos diferentes, em compasso ternário e tempo vivo.
Característico é o ritmo pontuado, com acento típico no 2º e 3º tempo do compasso.
A mazurca era frequentemente utilizada pelos compositores da Polónia da era romântica, como Chopin, Moniuszko ou Wieniawski.
Como as outras modas palacianas, chegou à Europa e a Portugal por via francesa.

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Valsa antiga (Recolha e arranjo instrumental AMC)

Valsa a dois passos (Recolha e arranjo instrumental AMC)

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GROGÊ

1.Vai de roda, siga a roda,
Que eu também lá quero ire: (bis)
Eu sou rapariga nova
E me quero ‘adevertire’! (bis)

2. E vai de grogê de volta,
Com par de meias de chita, (com par e meias e fita)
A porta do meu amor
É que é a mais bonita!

3.Se tu és o meu amor,
Dá-me cá os braços teus!
Se não és o meu amor,
Vai-te embora, adeus, adeus!

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Aqui está outra moda de nome francês.
A mensagem (a letra, o poema) está muito estragada, misturada com quadras de outras cantigas gerais*, o que torna difícil entender o alcance do galicismo do título.
Assim, qual o significado, a mensagem literária, poética?
Permito-me apresentar algumas hipóteses lógicas para decifração:
a – Bebida.
Pela tradição das “casas de baile” ou “de brincadeira“ os rapazes encarregavam-se de ‘falar’ (contratar) o tocador.
As raparigas faziam uma ‘pedida’ (colecta) “prós tremoços do tocador”.
Tremoços são ‘sinónimo’ de bebida…
Em francês, gorjeta é “pourboire”, o que, como agora, associa uma bebida (“pagar um copo”), e não só dinheiro, ao acto de gratificar um serviço.
E, se é verdade que tocar, bailar e cantar seca a garganta (a gorge…), a moda Grogê estará ligada a um intervalo no bailarico, talvez até como um sinal ou código usado para informar que se ia fazer um intervalo para ‘molhar a garganta’ e assim os tocadores e, sobretudo, os cantadores, ‘gorjearem‘ melhor.
Era e é da praxe dar de beber ao tocador para reanimar a festa – até porque vinho, música e mulheres sempre ‘casaram‘ muito bem..
Com bebida se relacionam várias etimologias relacionadas com gorge: gurga (latim)=garganta; gorge (fr.)=pescoço; gorja (port.)=garganta, goela, boca.
Também há a sujestão de que grogé esteja etimologicamnte cruzado com grog (inglês), em português grogue, bebida feita com aguardente, água tépida, açúcar, casca de limão.
O denominado ‘champanhe saloio’ é um pouco isso.
Estar grogue (port.) é estar um pouco ébrio,-a, ‘com um grão na asa’. (Ela) vai de volta, um pouco grogue, amparada por amigos e pelo namorado, abraçando-o muito, publicamente, e querendo entrar para casa dele, sem medir as consequências…
E, assim, ‘Grogé’ pode ser muito bem uma forma familiar de ‘grogue’, usada por rapazes e raparigas em algum excesso festivo…
b – E caberiam aqui outros significados de grogé(e)/gorgée:
Destapada – desacautelada – descomposta – leviana (dégorgée) —- gorge= garganta – seios…
E ainda: crochet, talvez em renda atrevida no peito?
c – Veículo. Mas a mesma letra autoriza que se pense que algo como grogê possa muito bem ser um meio de transporte de antigamente, bonito, potente e ligeiro, de que as raparigas gostassem (talvez como um descapotável de hoje, vermelho e nervoso…), ou então com um condutor com um gráo na asa…
d – Pedido de namoro. Uma versão do 2º verso da 2ª estrofe fala de voltar “com par e meias e fita”… e é uma pena a sequência da ideia lógica estar estragada… pois aí poder- -se-ia tentar ligar ao costume antigo de o rapaz pretendente pendurar discretamente uma fita na porta da rapariga requisitada… que responderia sim ou não.
__
*Ver: CARDOSO, Altino M. – GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO (3 vols-1150 cantigas-1920 pgs)

Ver ainda: CARDOSO, Altino M. – CANCIONEIRO SALOIO

Ver, ainda: CARDOSO, Altino M. – MÚSICAS SALOIAS PALACIANAS

C – Músicas do contexto brasileiro (exemplos)

O CONTEXTO BRASILEIRO

Nas páginas do início deste livro, destinadas a situar historicamente o aparecimento e manutenção da denominação “saloio”, foi estabelecido documentalmente que o termo apenas começou a ser usado depois das Descobertas e de D. Manuel I, quando Portugal se tornou uma referência comercialmente procurada por toda a Europa (o mundo conhecido nessa altura) e em Lisboaa procura de géneros alimentícios cresceu exponencialmente.
O clímax desta situação foi atingido no reinado de D. João V, em que o ouro do Brasil inspirou e alargou o bem-estar social até às aprazíveis cercanias do noroeste, pela linha de Cascais, de Sintra, de Torres Vedras, da Azambuja… e também, na margem sul, até Sesimbra e Setúbal.
A relação de exploração e civilização do Brasil era feliz, pois os indígenas brasileiros eram pacíficos e, até, alegres.
Ao receberem dos marinheiros portugueses as nossas modinhas populares, não só as perfilharam como as adaptaram e ornamentaram segundo o seu ‘bom feitio’ tropical.
Muitas delas regressaram às origens portuguesas já com as adaptações espelhadas nesse outro lado do Atlântico.
De entre alguns espécimes que permaneceram desse tempo, achamos interessante a referência às seguintes: um Verde Gaio e o curiosíssimo Bailho Escovinhado:

BALHO ESCOVINHADO (Recolha e arranjo instrumental AMC)

BAILHO ESCOVINHADO

O meu amor, meu amor é pequenino
Meu amor é pequenino, eu na cama não o acho
Ai uma pulga, uma pulga deu-lhe um coice
Uma pulga deu-lhe um coice, deitou-mo da cama abaixo!

E o meu amor é, é pequenino, ai,
Larilolé, eu na cama não o acho:
Ai, uma pulga deu-lhe, deu-lhe um coice, ai,
Larilolé, deitou-mo da cama abaixo!

Ai, minha sogra, minha sogra é uma saloia,
Minha sogra é uma saloia, gosta da chita amarela;
Ai, ela não, ela não gosta de mim,
Ela não gosta de mim, eu não gosto nada dela!

E a minha sogra é, é uma saloia, ai,
Larilolé, gosta da chita amarela;
Ai, ela não, não gosta de mim, ai,
Larilolé, eu não gosto nada dela!

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O ‘escovinhado’ era outra das modas que se bailava muito na região saloia e limítrofes; mas terá entrado em declínio por várias razões, sobretudo devidas ao exotismo gerador de dificuldades rítmicas e, até, causador de alguma estranheza nos temas.
Tem como base melódica a contradança, mas o ritmo é mais ‘desconjuntado’, sincopado, mais brasileiro.
Também brasileiro será o ‘atrevimento’ da revelação feminina (e já não será inconveniente não ser mulher casada).
Este “balho escovinhado” tem uma mensagem muitíssimo curiosa, sob a forma de confidência, basicamente dentro de uma certa tradição social e histórico-literária medieval da revelação e confidência com as amigas (que sempre compreendem a donzela) ou com a mãe (que às vezes a repreende – como aconteceria aqui, se para aqui a mãe ‘fosse chamada’).
A melodia é muito ritmada em que o bailador põe à prova todos os seus dotes físicos, certamente adequados para agradar à rapariga.
De iniciativa feminina, a confidência merece alguma análise:
– tratará apenas de algum desinteresse (talvez por excesso de trabalho?), falta de atempado desempenho sexual, ou pouco ‘apetrechamento’ do marido (amor=casamento) na cama…?
Não.
Há algo de muito mais:
– há algo implícito no trato carinhoso por “meu amor” e, ainda, no emprego do possessivo em “deitou-mo” (“da cama abaixo”): a mulher, também ela de idade bem madura, compreende bem as limitações do seu ‘velhote’ e até brinca com isso em conversa entre amigas.
– algo implícito na alusão à sogra… o que mostra que ainda se trata de um casal jovem
– algo implícito, em definitivo, o gosto por ter consigo um homem jeitoso, de pequena estatura (como ela?)… e, sendo pequenino, o seu homem poderá compensar a ‘performance‘ com uma maior rotatividade
– e, concluindo, gostos não se discutem e, em relação a tamanhos, no referete à mulher tanto se diz:
“A mulher e a sardinha, quer-se da mais pequenina”,
como:
“A mulher e a pescada, quer-se da mais alentada”.

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VERDE GAIO BATIDO (Recolha, escrita e arranjo: AMC)

Verde gaio batido (Recolha e escrita musical de AMC)

Aqui estou meus senhores
E daqui eu já não saio
Quero ver como se dança
E como se canta o Verde Gaio.

REFRÃO
Verde, Verde Gaio vira pra lá!
Verde, Verde Gaio vira pra cá! (bis)

Verde Gaio é tolo, é tolo,
É tolo e já namora:
Deixa Pai, deixa Mãe
Deixa tudo e vai-se embora.

Verde Gaio não está cá
Nem cá vem à brincadeira:
Ficou em casa deitado
Com uma grande bebedeira!

A moda do Verde Gaio
É uma moda das antigas:
Dá alegria aos rapazes
E também às raparigas.

Verde Gaio, se fores ao Céu,
Leva lá um recado meu:
Dize lá ao Verde Gaio
Que o sacho não apareceu!…

Parece que a origem do Verde Gaio é brasileira está ligada ao carácter brincalhão, descontraído (algo, também, irresponsável, preguiçoso, de ‘vida airada’) que os portugueses atribuíam familiarmente aos brasileiros.
A mobilidade, a aventura e a não fixação a um lugar ocupa lugar de destaque nas letras das múltiplas modas em todo o País.
Quando um emigrante regressava do Brasil sem enriquecer e já não queria voltar ao trabalho do campo, era objecto de comentários jocosos, sobretudo pelas histórias picarescas (muitas inventadas) e cantigas exóticas que contava e do papagaio que trazia.
Assentava-lhe bem a alcunha de “Verde Gaio”.
Como não quera trabalhar, arranjava sempre uma desculpa. A do Verde Gaio era que não tinha aparecido o sacho, para trabalhar no campo:
– o sacho não apareceu…
desculpava-se ele; e nem sequer ia procurar o sacho: esperava que ele lhe aparecesse!
O Verde Gaio é um autêntico fenómeno de popularidade, de Norte a Sul do País, sendo muitas vezes usado como veículo de crítica colectiva, e, até, individual a quem não gostava de trabalhar.
Daí o grande valor do conteúdo das letras em termos de informação para a compreensão do universo colectivo popular rural.
A expressão “deu-lhe o badagaio” é um eufemismo que significa, de modo brincalhão, que a pessoa em causa foi embora, abalou, emigrou, morreu, ou teve um ataque grave.
Ora, como não trabalhava, não faz grande falta!
Pode ‘dar-lhe o badagaio’ que ninguém se importa.

Verde Gaio é tolo, é tolo,
É tolo e já namora,
Deixa o pai e deixa a mãe,
Deixa tudo e vai-se embora!

REFRÃO (só tocado)

Encontrei o Verde Gaio
Lá em baixo, na ribeira,
Co’uma guitarra na mão
Para ir p’ra ma brincadeira.

REFRÃO (só tocado)

Encontrei o Verde Gaio
Na minha porta a pedir:
Não sei se lhe dê esmola
Se uma cama pra dormir!

O Verde Gaio (ver outras notas neste livro) simboliza aquele que não cria laços com amigos, nem, mesmo, com a própria família e não quer trabalhar, arranja desculpas e vive de expedientes, descontraído e irresponsável – os brasileiros inventaram uma expressão para isso: ‘na boa’.
Aqui, nesta moda, é tocador de guitarra, anda em folias e é namorador (apesar de não ter vida nem feitio para se casar…).
Por uma questão de justiça social moralizadora, muito própria do nosso povo, este perfil gera um pedinte, por contraste com a ‘brincadeira’.
Torna-se evidente o grande valor do conteúdo das letras em termos de informação para a compreensão do universo popular rural colectivo.

 

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UM CONJUNTO DE ESTUDOS SOBRE A REGIÃO SALOIA

História, Sociologia, Economia rural, Tradições, Música.... 

Este livro – MUSEU SALOIO-MEMÓRIA IMATERIAL – integra-se na linha de base da recolha poético-musical do CANCIONEIRO SALOIO, pois sistematiza e desenvolve as coordenadas fundamentais relativas à história, povoamento e textura sócio-económica da chamada zona saloia.

Estabelece o reinado de D. João V (e a chegada do oiro colonial) como as balizas temporais do estabelecimento da corte e da aristocracia endinheirada da Capital do Império nas zonas mais acessíveis ao bom clima, à privacidade e aos lazeres: a serra de Sintra e as praias vizinhas, em que hoje proliferaram os palácios e as quintas.

A procura de mão-de-obra multiplicou geometricamente os habitantes locais e os seus recursos culturais e sócio-económicos.

Tudo isto se encontra plasmado na própria música nessa altura assimilada – ver, do mesmo autor, MÚSICAS SALOIAS PALACIANAS –   mesmo a desfigurada actualmente pelos tratos de polé das concertinas.

 

OBSERVAÇÃO FINAL

Como é habitual neste SITE , apresentam-se apenas alguns exemplos dos materiais expostos nos livros respectivos