GCAD_DESGARRADAS

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DESGARRADAS

Cantigas ao Desafio

 

Introdução histórico-literária 
Ver no GCAD - Introdução ao Vol II). Ver também o estudo elaborado no Vol III

AO LONGO DA HISTÓRIA DA NOSSA LITERATURA existem algumas referências aos improvisadores, ou repentistas, que se exercitavam, por vezes, a travar batalhas poéticas, para gáudio de quem assistia e, até, tomava partido por um deles.

Desde o século XII, o improviso é referido com os menestréis, jograis, segréis e outros artistas populares, geralmente ambulantes, do nascimento de Portugal na Idade Média galaico-portuguesa. Mas os próprios trovadores tinhas as suas ‘tenções’, em que o diálogo funcionava em esquema de… dialéctica: tese-antítese, proposição-objecção.

Leia-se uma tenção medieval (séc.XII-XIII) célebre, entre dois grande trovadores: Pero Velho de Taveiros e Paay Soarez.

Quando, no século XV, a estabilização das fronteiras, pela Aliança Inglesa, permitiu o desenvolvimento das actividades do lazer, das artes e manhas e da vida palaciana, com muitos bailes e ‘coquetterie’, os poetas do CANCIONEIRO GERAL de Garcia de Resende alargam atenção a autênticos torneios poéticos, que travam em presença (e, geralmente, em louvor) das damas. A finalidade do CANCIONEIRO GERAL é, precisamente, reunir “coisas de folgar e gentilezas”, em que aparece um neologismo significativo: o verbo ‘donear’ (curiosa a semelhança com ‘pavonear’…).

Os torneios (descantes, desafios) poéticos ficam registados e institucionalizados como obras literárias. Então os temas e processos são mais subtis e elaborados, adequados ao exibicionismo cortesão. Talvez valha a pena ver o “Cuidar e Suspirar” que abre a colectânea, que tem como poetas actantes Jorge da Silveira e Nuno Pereira. Está, ainda, presente a sátira no “Processo de Vasco Abul”, em que este e Anrique da Mota travam valente discussão sobre a oferta de um fio de ouro pelo Vasco a uma rapariga num baile…que, por desprezo, nem o quis aceitar…

Mas o apogeu deste género literário-musical situa-se logicamente na época áurea do lazer barroco e do colonialismo português, em que vinha ouro ‘às carradas’, do Brasil. É a época de D.João V, o Magnânimo (esbanjador), do Convento de Mafra e do florescimento dos Conventos, a abarrotar de gente para ali atirada pela lei dos morgadios: os filhos segundos ou iam para as armas ou para as sacristias. O convento não era sinónimo de profissão de fé – e, muito menos, de pobreza, obediência e castidade…

São desse tempo os célebres ‘outeiros’, assembleias ou partidas, frequentados por Bocage e renomeados por Almeida Garrett, ele próprio um especialista em assuntos de donear. Estes eventos foram precursores dos encontros ou jornadas culturais e o exibicionismo de homens e mulheres (peraltas e sécias) e eram dignos do rei magnânimo, que distribuía ouro generoso às lindas freiras de Odivelas.

Sendo a capacidade de improvisação poética de Bocage por demais conhecida, é fácil imaginar o nível e brilho desses despiques poéticos, mesmo malcriados:- “Tantos sinos!… tantas porcas!” – atira Bocage às freiras que tocam para as novenas, fazendo trocadilho com os numerosos parafusos dos mesmos…

Mais tarde os Salões (ex. da Marquesa de Alorna) tentaram harmonizar o estatuto social e a excelência artística. A improvisação artística ainda hoje seduz, por exemplo, os melómanos do jazz (de origem negra, denominado ‘música para fumar, beber e bater o pé’).

Certas vanguardas dramáticas e até sinfónicas também exploram a criatividade instantânea e produzem obras de arte de muito apreço. É de acrescentar que certos artistas, através de psicotrópicos, provocam estados de êxtase criativo e improvisam para os suportes de gravação obras, que depois editam e arranjam, para serem publicadas.

A um nível popular, a improvisação é uma graça de criatividade dada só a alguns, sem que, para isso, precisem sequer de saber ler. António Aleixo é um exemplo de homens, e mulheres, que um pouco por todo o País, mas sobretudo no Centro-Norte, animam festas e arraiais com assuas CANTIGAS À DESGARRADA, algumas calorosamente disputadas.

Além dos grandes despiques, de muitas horas, nos arraiais da Régua e Lamego, na minha memória perduram as cantigas ao desafio das pousas, das dez à meia-noite, com que os homens matavam o sono e o cansaço de um dia hercúleo. Eram homens pouco ou nada alfabetizados, mas possessos do génio dionisíaco da improvisação, que uns copitos – ou aquelas pingas de aguardente das dez horas da noite – mobilizavam ou catalisavam.

Tenho escutado e apreciado durante muitos anos inúmeros cantadores e quero deixar neste livro memória de alguns: o Luís das Farpas e filho Zé do Fado (Costa do Vale), o Teotónio (A-das-Lebres), o Acácio Ferreira (Chaves), a Celeste da Barca (Ponte da Barca), o Amadeu Paiva (Castro Daire), o Zé Maria (Pimeirô-Cinfães)… e tantos outros.

As temáticas das letras são inesgotáveis: as qualidades dos cantadores, as notícias da terra, os trabalhos do campo, a emigração, a política, a saúde, a educação… ou factos extraídos da

História de Portugal… Também há cantos brejeiros, cheios de trocadilhos, por ex. entre cantador e cantadeira, ou (ver também neste livro) acerca de um cantador que tem bigode…

Esta polivalência e capacidade pedagógica deviam ser reconhecidas e institucionalizadas. Os cantos ao desafio presentes no Alto Douro possuem características próprias, que sublinho:- a melodia-base do acompanhamento, geralmente fixa;- acompanhamento a violão;- bombo para sublinhar o ritmo e encher melhor o baixo;- melodia do cantador, nem sempre fixa mas criativa, mas permitindo variantes como a letra: reagindo, sublinhando, interrogando, desafiando, defendendo…;- violino, que sublinha a melodia da concertina;- mais raramente, aparece o clarinete, mas sem a incidência e o relevo do violino.

Mas também encontrei melodias de violino independentes das da concertina, autónomas…- …e, assim, uma riquíssima desgarrada, quase sinfónica, com três melodias: concertina -violino – canto! Pude captar duas ou três, que transcrevo no respectivo capítulo. Na análise das várias gravações e audições que efectuei (em muitas centenas de quilómetros percorridos), verifica-se que– já raramente aparece o tocador do bombo;– também não aparece sempre o do violão (viola), talvez por se pensar erradamente que o baixo da concertina substitui a marcação musculada de um bordão bem sincronizado.– as potencialidades sonoras da concertina diluem a presença de outros instrumentos, o que despersonifica o espectro sonoro e empobrece muito a riqueza harmónica destas peças. – a desgarrada completar-se-ia sinfonicamente equilibrando a concertina com um violino, um clarinete, um bombo e dois violões, ou um violão e uma viola-baixo.

Os cantadores ao desafio são solicitados para encontros e festas exclusivamente regionalistas. Não se lhes atribuem valores artísticos (poéticos e musicais) de sentido pleno. Ora, se se transcrevessem as letras improvisadas de algumas cantigas ao desafio e, depois se burilassem um pouco, estaríamos perante aceitáveis obras poéticas. Por isso, este género poético-musical devia ser aceite, com aceitável dignidade, nas grandes Salas que os ditadores das modas artísticas e os detentores das verbas do erário público, reservam para centenas de espectáculos da moda enlatados, batidos, ‘pimbados’, sem a mínima originalidade e capacidade criativa, isto é, sem Dignidade artística.

Neste livro são transcritas letras e músicas de alguns cantadores, sobretudo do eixo Cinfães-Resende-Montemuro-Castro Daire – donde partiam, e partem, ainda hoje, muitas ‘rogas’ para a grande Festa do Vinho e da Música no Alto Douro Vinhateiro, actualmente Património Mundial.

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O GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO II apresenta um capítulo dedicado às DESGARRADAS, ainda hoje muito apreciadas em festas, convívios e arraiais.

As desgarradas ou cantigas ao desafio eram integradas na festa das Vindimas do Douro, num terreiro de baile ou, sobretudo, durante a pisa das uvas nos lagares, antes da mecanização e das cooperativas.

A pousa, ou lagarada, decorria durante 4 horas, até à meia-noite. Dividia-se em duas partes: a primeira era rígida e ritmada pela voz potente de um mandador: “esquerda-direita-um-dois…” e a fileira de homens percorria com rigor e uniformidade toda a superfície do mosto no lagar.

As segundas duas horas prestavam-se a vários divertimentos e cantigas para afastar o sono, depois do canto de “Liberdade, liberdade, quem na tem chama-lhe sua…”.

Uma das cantigas era a desgarrada entre dois contendores divertidos, aqui representados por dois galarozes.

Actualmente as desgarradas são acompanhadas com concertina e viola (já raramente o violino); mas nos tempo das pousas a viola acompanhava um violino. Prefiro utilizar o violino nas transcrições apresentadas.

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Os Volume II e III do GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO estudam literariamente o fenómeno poético-musical que tem sobrevivido desde a Idade Média (galego-português), com foco em Santiago de Compostela e ainda anterior à Fundação de Portugal: as tenções,  cantigas ao desafio ou, ainda, desgarradas.

Estas cantigas são diálogos musicais com mensagens de vários conteúdos expressas em redondilha maior (7 sálabas métricas) e formas melódicas correspondentes a esse ritmo. A tradicional estrutura musical é polifónica, normalmente constituída por 3 partes: um tema melódico próprio (violino>concertina, clarinete), acordes de acompanhamento (violão, viola) e solo (canto).

A polifonia mantém-se invariável, seja longo ou curto o desenvolvimento da letra.

O tom mais utilizado é o D Maior (RÉ Maior), devido à adequação à escala humana (masculina) do canto – duas oitavas, entre G’ e G”‘ – e ainda à fácil colocação dos dedos para formar o RÉ Maior da viola ou violão.

O Volume II do citado GCAD apresenta uma inédita e valiosa amostragem de 15 estruturas recolhidas de entre essas formas musicais.

O esquema métrico e harmónico permanece, mas oferecendo sempre virtualidades para o exercício da inspiração dos intérpretes, muitos deles (e modernamente também delas) admiráveis mestres do improviso.

Os temas das letras são variadíssimos, cobrindo um leque inesgotável, em que o simples e pacífico diálogo pode dar lugar ao exibicionismo, ao desafio, ao maldizer e ao perigo de incêndio de ânimos… e também ao amor (e ciúme), à religião, às festas, à política, às anedotas, às situações caricatas, e, até, a factos históricos solenes e respeitáveis…

A relativamente moderna concertina tem monopolizado a instrumentação, embora ainda consiga sobreviver a antiquíssima viola, o bombo e os ferrinhos. Mas ainda foi possível encontrar e gravar desgarradas com o ancestral violino/viola, ou com violino/concertina/viola (ver, por  ex., a estrutura 3). Também aparece o clarinete, mas ainda menos do que o violino.

Convém ainda notar que, enquanto os acompanhamentos instrumentais típicos mantêm a linha melódica durante todo o desenvolvimento da cantoria, o cantador inclui no texto muitas variáveis ao longo do seu improviso. Mais ainda: embora respeitando a unidade melódica, raramente canta exactamente as mesmas notas. Este facto torna inviável fazer uma recolha completa do repertório (riquíssimo) dessas obras – que só recentemente começaram a ser gravadas.

Como é habitual neste Site, apresentam-se alguns exemplos mais comuns, em mp3.

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EXEMPLOS

Desgarrada das vindimas (em tom menor) (GCAD I, 176) (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Boua noute, meus senhores,
Bou começar a cantar
ai, boua noute, meus senhores
bou começar a cantar.
pra espairecer a bindima
e as ubas que há pra acartar!
Quando chegam as bindimas
põem-se as trouxas de couro:
não há nada mais bonito
do que as bindimas do Douro!
As bindimas, bindiminhas,
as bindimas boas são_
fui de casa co’um cruzado
entrei com meio tostão.
Toca a apartar, apartar,
o gacho preto do branco;
também a mim me apartaram
do amor que eu amo tanto.
Dói-me a barriga com fome,
mas não é com fome de ubas:
é fome dos teus carinhos,
que tu, amor, me recusas.
Ó bideira, dá-me um gacho,
um gacho bem madurinho:
ó gacho, ó lindo gacho,
bais ser pró meu amorzinho!
Ó bideira, dá-me um gacho,
ó gacho, dá-me um respigo
para dar ao meu amor,
que anda raiboso comigo.
Dá-me da tua ramada
um gacho de moscatel,
que eu te darei um da minha,
quando maduro estiber.
– Nós somos bindimadeiras,
cortamos ubas doiradas,
– E nós, alegres, pisamos
as ubas por bós cortadas.
Nas bindimas, nas bindimas
é labuta sem parar:
as mulheres cortam nas ubas,
os homens bão pró lagar.
– Ó meu rico regadinho,
que lebas na tua abada?
– Um gacho de moscatel
que é pra dar à minha amada.
Bindimas, minhas bindimas,
as bindimas boas são:
se não fossem nas bindimas,
ou me casaria ou não.
Gachos de ubas bindimei,
deles bou fazer o binho,
e só dele probarei
no dia de São Martinho.
A bideira malvasia
dá bem ubas para comer,
mas também serbe pra dar
bom binhinho para buber.
Bamos o binho pisar,
perna abaixo, perna arriba:
o feitor já foi buscar
augardente prá barriga.
Tudo bebe, minha gente
prás ubas melhor pisar;
uma pinga de augardente
põe toda a gente a cantar.
Rapazes, bamos imora (=embora),
a meia-noite está dada:
senão tenho em minha casa
sermão e missa cantada!

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Desgarrada das pousas [GCAD I, 223]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Eu chiguei agora aqui,
eu chiguei aqui agora, (bis)
se é cedo, deixaime stare,
se é tarde, mandai-me imbora! (bis)
eu chiguei agora aqui,
eu chiguei aqui agora.
Raparigas desta terra,
cantemos com alegria!
se eu canto, é pra ‘sq’acere
as panas de todo o dia:
raparigas desta terra,
cantemos com alegria!
Quem canta seu mal espanta
quem chora mais o aumanta:
eu canto pra espalhare
a paixão que me atromanta!
quem canta seu mal espanta,
quem chora mais o aumanta!
E agora bou treminare,
bou-me imbora pra Jugueiros;
só têm de desculpare
sinhoras e cabalheiros:
e agora bou treminare,
bou-me imbora pra Jugueiros.

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Adeus, ó senhor patrão [GCAD I, 67]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

– Adeus, ó senhor patrão,
Não le devo nem um dia,
Mas antes me deve a mim
As noites qu’eu não dormia.
– Vai-t’embora, desgraçado,
Vai para a tua mulher;
Se morres, vais p’ra o inferno,
Nem o diabo te quer.
– Ó mulher’s, ó desgraçadas,
Por que vos não confessais
Aos delitos que fazeis
E aos corações que roubais?

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ESTRUTURAS

Desgarrada [estrutura 1] [GCAD II, 1242]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Desgarrada [estrutura 2] [GCAD II, 1243]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Desgarrada [estrutura 3] [GCAD II, 1244]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Desgarrada [estrutura 4] [GCAD II, 1245]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Desgarrada [estrutura 6] [GCAD II, 1248]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Desgarrada [estrutura 7] [GCAD II, 1249]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

Desgarrada [estrutura 10] [GCAD II, 1243]  (Recolha e Harm Altino M Cardoso)

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UMA LETRA DE DESGARRADA (IMPROVISO)
(Vol II – p.1226-1229):
1º Cantador:
– Boa tarde, meus senhores,
Vivam filhos, vivam pais,
Vou dar daqui um abraço
A todos que me escutais
E mostrar como se canta
Em Festas e Arraiais!
2º Cantador:
– Canto como vós cantais,
[em festas e arraiais]
Por isso cantas tu e eu
Em Terras do Alto Douro
[onde o vinho é um tesouro]
E Distrito de Viseu
E Terras de Montemuro,
[eu estou a cantar seguro]
Onde este Fado nasceu.
– Melhores somos tu e eu:
[a viver debaixo do céu]
Também gosto de cantar
Cantigas à desgarrada;
Quando uma pessoa é boa
[e que não canta à toa]
Deve de ser respeitada;
Eu respeito-vos a todos:
[os mais velhos e mais novos]
também a ti, camarada!
– Continua a desgarrada,
[nesta bem bela noitada]
Eu levo tudo a eito:
Quero ver se, a cantar,
[nesta noite de luar]
Cantador, tu és perfeito;
Não me digas coisas feias,
porque, senão, eu rejeito.
– Olha, ninguém é perfeito!
[e se não viver com jeito]
E, mesmo na cantoria,
Mas hoje aqui, ao teu lado,
[a cantar um lindo fado]
Eu tenho muita alegria;
Mas se tu te portares mal,
[neste lindo arraial]
Eu vou tirar-te a mania!
– Tu não tenhas fantasia
[Estimado Zé Maria]
Que te podes enganar;
Tu tens pouca categoria
E eu posso-te apertar;
E a garganta que tu tens
Ela pode-se calar!
– Já te estás a arreliar,
Vem com calma, cantador,
Se já te estás a queimar
Eu vou tirar-te o calor;
Não me fales em calar,
Que eu sou muito falador!
– Escuta bem, cantador
[Já vi que tu tens valor]
Que cantas nos arreiais;
Já sei que tu falas muito,
Às vezes falas de mais;
É por isso que na vida
Não somos todos iguais.
– Não vales menos nem mais,
[a cantar nos arraiais]
Mas eu sou bem comportado,
Mesmo falando de mais,
[como vós apreciais]
Eu falo sempre acertado;
Mas tu, que falas tão pouco,
[e podes passar por louco]
Não falas bem em nenhum lado.
– Tu deves ter mais cuidado
Com o que estás a dizer,
Porque eu até fui rogado
Rapaz, pra te defender;
Como sabes, é verdade,
Mas já te ias a esquecer.
– Eu não te estou a entender,
Nem sei do que ‘stás a falar:
Se calhar foi noutro dia,
[por volta do meio-dia]
Quando eu estava a jantar,
Não consegui comer tudo
E tu foste lá ajudar!
– Agora, pra terminar,
Vou dizer-te, camarada,
Termina a tua cantiga,
Que a minha está terminada;
Já me falaste em jantar
E a barriga está sem nada!
– Acabou a desgarrada
[pra toda a rapaziada]
Entre estes dois cantadores;
Na cantoria do fado
[Amadeu aqui ao lado]
Inda não vi professores;
Nas cantigas de improviso
[além de termos juízo]
Mostramos nossos valores.
OBSERVAÇÃO:
Os versos em cada estrofe repetem-se às parelhas (dois a dois).
As inserções [escritas entre parêntesis rectos] são incluídas apenas na repetições, aleatoriamente, ao gosto e inspiração do cantador.
Tecnicamente, estamos em presença de um artifício poético presente nas cantigas de mestria e nas tenções trovadorescas medievais.
Sobre este assunto, ver a TESE INTRODUTÓRIA que abre o primeiro volume deste GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO.
Pode ser vista também neste site (produto: GCAD – Contextos histórico-literários na música tradicional

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