GRANDE CANCIONEIRO do Alto Douro [GCAD] I

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GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO

"A Bíblia Cultural do Alto Douro" - Dr Manuel Silva Marques (Homo Duriense e Fundador do CICDAD-Círculo de Cultura e Desenvolvimento do Alto Douro)

Volume  I

Cantigas da Vinha
Introdução ao Vol I

DE MODO GERAL, todas as cantigas do 1º volume (CANTIGAS DA VINHA) são também cantos do trabalho. Estas do segundo volume estão mais dispersas por várias actividades da quinta.

Uma quinta era composta de vinha, produtora do vinho, e campos, donde era retirado o sustento diário de pessoas e animais e, por vezes, algum movimento de vendas (hortaliça, fruta, porcos, galinhas…), mas que não tinha o significado económico da venda do vinho.

O caseiro da quinta tinha de equilibrar os trabalhos da vinha com os do campo, de modo não só a garantir o pão aos trabalhadores ‘diários’, que hoje diríamos efectivos, mas também a optimizar e rentabilizar os recursos da terra e da mão-de-obra.

A época de mais trabalho e proventos era a Vindima. Depois, era a cava da vinha, que exigia bons braços. A cava do campo também exigia força e, geralmente, o caseiro assistia com um pipo de vinho de manhã e de tarde, como também era hábito na cava da vinha. A cava da vinha era feita com a enxada de dois ganchos, ao passo que a cava do campo era feita com uma boa sachola. Ambas as ferramentas (se calhar, hoje, chamam enxada às duas) tinham de ser bem encabadas.

O calçado de trabalho mais usual eram as botas cardadas, mas o mais prático eram os socos: abertos e fechados. Ambos tinham base de pau; os socos fechados resultavam da reciclagem das botas velhas que já não merecessem novas meias-solas; os abertos tinham cabedal de raiz e deixavam o calcanhar (ou os meiotes) ao léu, ou quase. Os socos das mulheres eram tão práticos e quase tão delicados como chinelas. Os socos eram uma obra-prima em economia e conforto: os pés andavam sempre quentes, mesmo sem meiotes (ou catúrnios); e, se entrava água ou terra, facilmente se sacudia… Conheci pessoas que passaram toda a vida «encabadas nuns socos» – na expressão felicíssima do nosso João de Araújo Correia. Sobretudo os caseiros, mas mesmo gente com posses. Pode estar aqui a mais válida razão prática para a carestia de corridinhos no Alto Douro.

No Alto Douro existia uma grande clivagem social: de um lado, a minoria dos proprietários das quintas e, do outro, a multidão faminta dos que nada tinham, a não ser a força braçal do sobrevivente e a resistência anímica do herói – ou do escravo, que é o mesmo, na prática. Quando as quintas precisavam de trabalhadores, o caseiro rogava: “tantos homens, a tanto por dia, secos”. A palavra passava e no dia aprazado, lá estavam os trabalhadores. Recebiam ao sábado e, feito o trabalho, voltavam ao ‘stand by’ da procura do pão-de-cada-dia para si e para os filharada. Sem direito a estar doente e a esperança de uma reforma apenas apareceu com Marcelo Caetano, em fins dos anos sessenta…O dia de trabalho ia do romper do dia até ao pôr do sol: 6 horas se a luz durava 6 horas, 10horas se a luz durava 10 horas. Geralmente o trabalho rural era ‘a seco’: a quinta não dava comida. Dava, sim, uma sardinha de manhã (ou uma dúzia de azeitonas) para os trabalhadores comerem com a broa que sempre levavam de casa, comprada a crédito (o merceeiro punha no rol) e paga nahora de receber. (Entretanto, a sardinha tornou-se folclore de ricos e hoje é paga a preço de ouro).O salário variava segundo a rígida lei da oferta e da procura: a época do fim da vindima era a que pior pagava e, devido ao mau tempo, não havia trabalho em lado nenhum. As vinhas entravam no Outono e havia que esperar que as folhas caíssem para se fazer a escava, que era uma poça quadrada ao redor de cada videira, para captar as folhas e armazenar a água das chuvas que iam caindo. Só restavam (e nem em todas as quintas) os trabalhos nos campos: cavar e estrumar a terra para plantar os produtos hortícolas, que davam para gasto de casa e, às vezes, para vender nas praças e feiras.

Depois aproximava-se a Primavera. Então, campos e vinha, exigiam cuidados diários: poda, erguida, sulfato, enxofre, espampa, mais sulfato… até se chegar ao pino do Verão. Durante o amadurecimento das uvas, até à vindima, a falta de trabalho era uma constante no Alto Douro. Então, muitos trabalhadores rurais nossos engrossavam a oferta de mão-de-obra, juntamente com os espanhóis da raia do Duero, e iam em grupos para as malhadas e ceifas do Nordeste Trasmontano, donde traziam o mimo dos filhos, o ‘rolão’ do Tua, e muitas cantigas, sobretudo belíssimos rimances, alguns presentes neste livro.

Por isso, quando se pensa nos heróicos saibradores das íngremes encostas, a ferro e pá, o nosso pasmo entranha-se numa cadeia de meditação poderosa e esmagadora sobre a dificuldade em equilibrar o Pão sacrificado do Homem com a ditadura da Natureza duriense. Mas nunca faltava uma cantiga – com a alegria ou a tristeza da hora.

E uma sub-classe social emerge: a dos caseiros. É rogador e administrador; provedor e conselheiro, por vezes; mão amiga numa hora de fome, não raro. O caseiro é muito mais do que o equivalente clássico do engenheiro agrícola destes tempos de escolaridade obrigatória: é o fiel da balança sócio-económica do humanismo possível.

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O GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO é uma obra de recolha monumental, com 1.150 músicas (pautas) e letras de canções tradicionais da Região, englobando 3 grandes volumes, cada um com 640 páginas, perfazendo um total de 1.920 páginas.

As canções foram recolhidas no Alto Douro, donde o autor é natural, em cerca de 50 anos, nomeadamente durante a época das vindimas, que atraíam ‘cardanheiros’ de todas a regões circundantes, com destaque para zona do Montemuro e do Marão: Resende, Cinfães, Marco, Baião, Castro Daire…

Este Vol. I contém um estudo histórico-literário inicial sobre as principais caractarísticas histórico-literárias da lírica medieval (séc. XII) galego-portuguesa – muitas das quais ainda se conservam actualmente, como é o caso dos géneros (diálogo com a mãe, romarias…) ou do paralelismo (ruralidade, iniciativa feminina, alternância vocálica, leixa-pren, número par de estrofes para dividir em dois os dançarinos, refrão…).

Ver neste site:

GCAD_Contextos hist.-literários

 

Ver mais músicas e letras em:

GCAD A  – GCAD B – GCAD C – GCAD D

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EXEMPLOS

Dançar a rabela

Deita a barca ao rio

Chamaste-me trigueirinha

A pomba caíu ao mar

Adelaidinha

 

A madrugada lá vem

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